15 - déjà vu

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Micaela sugeriu que os dois usassem o mesmo cavalo para atravessar o rio.

Já refeito de suas emoções, Orfeu aceitou, e subiu no cavalo, levando Micaela como garupa.

Ela estranhou o gesto... Estava acostumada a comandar, mas gostou da atitude dele.

Eles atravessaram o rio, e Micaela desceu rápido do cavalo, arrastando Orfeu até uma grande jaqueira. Ali ela mostrou um coração com as iniciais J+M.

- Foi aqui que nos beijamos pela primeira vez. Foi o primeiro beijo da minha vida...

Micaela sorriu, nostálgica, e apanhou uma grande jaca que estava numa parte mais baixa do tronco, depois abriu a fruta, e se sentou para apreciar a iguaria, convidando Orfeu pra fazer o mesmo.

Orfeu passou os dedos sobre a marca na árvore, e perguntou, em tom solene.

- Esse lugar deve lhe trazer lembranças dolorosas... espero que não pense que estou profanando suas memórias.

Micaela sorriu, enfiando uma baga de jaca na boca e falando de boca cheia.

- As lembranças daqui não me são dolorosas de jeito nenhum! São lembranças felizes. Acho que estão sendo mais dolorosas pro senhor... o Jean foi genial ao passar tudo pro papel, e faz parecer que tudo foi tão extraordinário! Mas era só o nosso dia a dia. Mesmo depois da morte dele, eu frequentei esse rio milhares de vezes... E não podia chorar toda veze que viesse aqui... a vida segue e os bons momentos ficam em nossa mente...

Micaela se levantou e arrastou Orfeu até a ponta de um barranco, mostrando lá de cima a parte baixa do rio.

- Está vendo aquela pedra grande bem no meio do rio? Foi lá que dei a luz ao Júlio... foi lá também que conheci o Jean. Eu tava deitada bem lá, no meio dela, quando ele veio sem avisar... foi uma confusão danada.

Micaela sorriu de suas lembranças, mas Orfeu estava sério, e pediu:

- Podemos descer até lá?

Micaela encarou ele por um bom tempo, observando cada detalhe. Ele não era mais assustador a seus olhos...

Sua feiura vinha da dor que carregava em sua alma, mas quando se permitia ser ele mesmo, era um homem gentil, e sensível, ao ponto de chorar por um burrico que ele nem conheceu...

Seu olhar estava sereno, e sua voz, mesmo com aquela rouquidão assustadora, estava doce e suave... Micaela tentou imaginar que tipo de homem ele teria sido antes do acidente? Apesar da aparência mal cuidada, ela tinha quase certeza que ele foi um belo homem no passado.

- Vamos sim! - Ela respondeu por fim - Lá embaixo tem menos lembranças dolorosas...

***

Dessa vez, Micaela tomou a frente e montou primeiro, deixando para Orfeu a única opção de ir na garupa. Enquanto o cavalo descia o barranco, Micaela sentiu os músculos do peito de Orfeu se moldando às suas costas, e sentiu novamente as borboletas revoarem em seu estômago.

Ele tentava não escorregar pra cima dela, mas não tinha onde se segurar, e não conseguiu evitar. Micaela ria, e fez o cavalo ir pelo caminho mais íngreme de propósito, só para que ele tivesse que se agarrar nela.

Quando chegaram, Orfeu estava constrangido, e desceu logo do cavalo. Depois, muito solícito, ajudou Micaela a descer, e ela teve outro déjà vu.

Orfeu apoiou as duas mãos na cintura dela, e ela colocou as mãos no peito dele, exatamente como fez com Jean, a quinze anos atrás.

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