Naquele dia depois que saímos do hospital, me encontrei com Bianca na praça e chorei em seus braços sem conseguir encontrar qualquer saída viável.
Mesmo com o pouco dinheiro que juntei do meu trabalho da Montgomery's, consegui alugar uma quitinete bem baratinha um bairro horrível e perigoso. Ao menos, eu ainda teria onde morar.
Eu dormia num colchão no canto do cômodo. Estava há semanas usando a mesma roupa antes de Bianca me presentear com algumas das suas. Eu a amei muito por estar do meu lado mesmo que as coisas estivessem difíceis.
Me revigorava quando todos os dias após meus dois turnos cansativos no trabalho ia até o estúdio para vê-la dançar. As pessoas costumavam me olhar torto devido as roupas que eu usava, mas tentei me manter firme e decidida.
Eu não iria mais abrir mão de quem sempre fui.
Muito menos por uma sociedade porca.
— Eu costumava pescar com a minha mãe no lago — murmurei, me sentando na cama e encarando o vazio. — Era nosso passatempo favorito. — Tentei sorrir, mas não tinha mais nada de feliz naquela lembrança.
E o que houve?
— Minha mãe não sabia nadar, mas eu sim. Quer dizer, eu era o melhor da faculdade. — Dei de ombros. — Até você roubar o título de mim.
Nem vem com essa de novo.
Consegui esboçar um leve sorriso, o que era algo inédito pra mim depois de tudo.
— Um dia, fomos pescar como sempre só que acabou rolando uma tempestade daquelas. Nossa canoa virou e caímos. — Comecei a tremer com a mera lembrança. — Tentei salvá-la, mas o lago estava impossível. Era muita chuva, muita água. Eu tive que nadar para me salvar, mas ela estava muito no fundo e afundava tanto que para eu a salvasse, teria que morrer tentando.
Ah, Tyler!
— Cheguei em casa correndo e liguei para os bombeiros. Quando acharam o corpo dela, já era tarde demais. — Abaixei a cabeça enquanto meu coração parecia estar sangrando de tanta agonia. — Meu pai nunca me perdoou porque eu a matei. Fui burro e incompetente. De que adiantava um título de melhor nadador se eu não conseguia nem salvar minha própria mãe?
A culpa não foi sua, estrelinha.
— Eu deveria ter morrido tentando salvá-la, é o que um filho faria — admiti o que tanto me machucava.
Não. Você fez o que pôde. Deu seu melhor. Foi sim uma fatalidade, mas foi por culpa da tempestade. Vocês só estavam no lugar errado na hora errada.
— E-E-Eu queria poder te abraçar — murmurei aos prantos. — Q-Q-Queria que estivesse aqui comigo de verdade.
Eu sempre vou estar com você, mesmo sem uma forma física.
Assenti enquanto eu me rendia a dor que tanto me aprisionou durante todo aquele tempo.
Após uma insistência louca de Davi, o presidente acabou oferecendo a Emma uma indenização pelos danos causados, algo inédito na história do CCH.
Com isso, Emma conseguiu reconstruir um pouco a sua vida com a promessa de que se mudaria o quanto antes para a Ilha das Flores. Aquilo alegrava Bianca e ao mesmo tempo a quebrava, visto que Bianca não possuía aquela liberdade de poder ir com ela.
— O bom é que não vou precisar ficar nessa quitinete horrível — disse Emma colocando a saia de balé rosa que Bianca lhe presenteou. Elas costumavam dançar pela sala rodopiando sem medo. — Ouvi dizer que o marido do rei da Ilha das Flores é um homem trans.
— É verdade — afirmou Bianca ao deixar que a garota segurasse sua cintura para que a dança começasse. — O Ian é incrível. Pelo menos, foi o que ouvi dizer.
— Vou poder ser eu mesma lá. — O peito de Emma subia e descia de tanta felicidade, acompanhando os batimentos acelerados. — Queria que viesse comigo.
— E eu queria ir. — Bianca se viu desolada com a mera hipótese de perdê-la. — Mas não posso bancar uma faculdade sozinha, então tenho que esperar eu me formar. Falta bem pouco.
— Posso esperar por você — disse Emma. — Olha, vou me mudar e conseguirei uma casa boa para nós duas.
— Será que vou conseguir trabalhar no mesmo hospital que o Davi? — perguntou Bianca quase se emocionando com a hipótese. — Será que vou conseguir me livrar desse lugar?
— Eu sei que vai. Grande Sunshine não merece uma pessoa boa e doce como você.
E então, Emma ligou a música clássica e as duas rodopiaram pelo cômodo estreito onde Emma morava enquanto as incertezas gritavam como ecos no ritmo frenético da dança.
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O amor é uma piada ✅
Science FictionPLÁGIO É CRIME! É proibida a distribuição e reprodução total ou parcial desta obra sem autorização prévia do autor. Tyler Tramontini sempre se via tropeçando pela vida até se encantar pela garota dos seus sonhos. Porém, tudo muda quando ela o troca...