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Fevereiro de 2022.

Minha mente é fraca. Meu corpo é frágil. Dia após dia tento me apegar em algo para continuar vivendo, mas sempre vejo o quão sozinha estou. 

Olhando daqui da janela nessa sala com paredes brancas e cheiro incessante de remédio, sinto que pessoas como eu deveriam ficar eternamente aqui e considerar desistir da vida. 

O sol tocava algumas partes do meu corpo por conseguir atravessar a janela, ajuda a me aquecer um pouco já que o ar condicionado daqui é forte. A única cor aqui presente são os lençóis azuis que forram a cama.

Conto os dias em que me sentirei igual a um pássaro. Livre. Já é a quinta vez que estou aqui só esse mês. Quinta vez que me saboto e recorro aos remédios de maneira descontrolada, acontece que mais uma vez eu falhei e me encontraram antes mesmo de conseguir partir dessa para melhor.

Dizem que aqueles que cometem suicídio irão queimar no inferno. Será mesmo que pássaros presos como eu iriam para esse lugar? Porque almas que não querem permanecer na Terra são punidas e abominadas pela sociedade ao invés de serem acolhidas ? Quanto mais viramos as costas para quem precisa de ajuda, mais estamos contribuindo para a queda e nos sujando indiretamente.

As pessoas constantemente dizem que preciso ser forte e me esforçar, mas nenhuma delas me dão razões para ficar. O mundo é tão cruel e sujo. Por quanto tempo irei continuar vivendo ?

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Que droga, eu odeio o efeito desses remédios que me fazem ficar andando em círculos. 

(...)

- Bom, parece que você voltou - Dizia a mulher loira que entrava na sala com alguns laudos em mão - Vamos lá meu anjo, o que mais precisa ser feito para que você pare com essas ideias de tentar se matar a cada semana ? 

- Talvez se vocês parassem de me salvar toda vez que tento morrer ? - Coloco a mão no meu rosto tentando me esconder da frustração que me domina. 

Espio entre os dedos a minha imagem no espelho, não sei de quem foi a ideia de colocar um enorme espelho de frente para cama, mas faz com que eu odeie a imagem que estou vendo. Ombros caídos, olheiras escuras e um corpo que a todo momento me faz comparar com os demais, tudo é um combo que me obriga a relembrar todas as manhãs da minha infância em escolas de balé e suas malditas dietas. Padrão a ser seguido, a perfeição de cada passo, nunca errar.

Mas tudo está diferente. Meu rosto parece um borrão e minha mente só diz que preciso fechar minha boca depois da segunda garfada na comida, agradecer a todos por algo que nem eu mesma sei e acima de tudo... endireitar a postura.

- Você precisa lutar - Ela toca meu ombro me desvencilhando dos pensamentos melancólicos - Eu já atendi diversos pacientes com problemas iguais e até mais pesados que o seu, todos eles encontraram razão para continuar. Aquele acidente não foi culpa sua, jamais será. Não teremos progresso enquanto você não entender isso.

- Eu os perdi, Senhorita Yumi... Talvez se eu tivesse ido com eles... Talvez todos estariam felizes- As lágrimas escorriam do meu rosto enquanto eu mordia os lábios controlando o choro

- Você estar presente ou não, não mudaria em nada. - Se sentou ao meu lado acariciando meus fios de cabelo - Não sabemos o que o destino nos reserva, talvez você sobrevivesse da mesma forma. Iria continuar a carregar uma culpa que não é sua mesmo assim ?

Aquele carinho sempre me acalmava. Quando eu estava acompanhada de alguém, me sinto mais calma e relaxada, porém na solidão tudo piora. Não sentia mais meu coração tão acelerado e a dor não era mais insuportável como ontem.

Meus pais morreram em um acidente de carro faz cinco meses, desde então eu venho morando com minha avó em um pequeno apartamento. A mesma vem constantemente me trazendo ao médico por não suportar me vê destruindo tudo que conquistei e principalmente a minha vida.

Não queria causar tanto trabalho a vovó, queria ser aquela neta feliz e alegre de antes, mas simplesmente não consigo. Dizem que conforme vamos crescendo, tendemos a virar adultos amargurados e frustrados com a vida, bom, talvez seja verdade na minha realidade.

- Que patética essa cena - Escuto uma segunda voz vinda em direção a porta. Tiro as mãos dos olhos que estão avermelhados e dou de cara com um rapaz nos encarando com suas duas mãos no bolso e um olhar sério. - Ei garota, eu sempre te vejo por aqui com essa cara de choro por causa de pessoas que não voltaram mais, não acha que esteja na hora de criar um pouco de vergonha na cara ? Aprenda a superar.

- E-ei - A psiquiatra se levantou indo até o garoto - Você não pode entrar nesse setor, quem te deu liberação? 

- Só estava de passagem - Levantou as mãos em rendição agora encarando a médica - Eu somente vim ver um amigo famoso por aqui... - Deu um sorriso debochado desviando seu olhar rapidamente - Aquele do quarto oito.

- Ah... - Yumi deu uma recuada em sua voz - O jovem Manjiro. - Ele assentiu pedindo desculpas a ela e se retirando aos poucos antes de me dar uma última olhada.

- Chega de choradeira a partir de hoje, se fazer de coitadinha não fará com que tenham pena de você, só farão com que precise tomar mais remédios e fique nesse lugar eternamente. - Me lançou um olhar frio - A doutora está perdendo tempo com você, todo esse esforço e conversa está sendo perda de tempo. Então que tal fazer algo de útil para você mesma ? Tenho uma ótima ideia... Que tal apenas deixar sair tudo que esta guardado dentro de si sem se preocupar com o que esta a sua volta ? Exploda tudo.

Ser útil...

Ninguém nunca viu um futuro brilhante para mim. Meus pais. Meus amigos. Somente a vovó acredita em algo que não consigo enxergar.

Lembro da semana que eu estava mergulhando na piscina de casa e meus pais estavam preparando o jantar. Era noite com um céu estrelado. Eu mergulhei tão fundo que de repente eu só senti meu corpo paralisar e meus olhos fecharem, minha audição estava aguçada junto com meus sentidos.

Pela primeira vez tive a sensação de que era aquilo que eu queria, mas o medo me fez voltar para a superfície em procura de ar.

Depois do acidente o remorso se fez presente, tudo por conta de uma briga que podia ter sido resolvida. Sempre irei acreditar que era eu quem deveria estar naquele acidente, eu quem deveria ter sido enterrada e esquecida.

Mas agora o que esse rapaz me disse me fez perceber que todas as sessões de terapia, todos os remédios, todas as formas que venho buscando de camuflar meus sentimentos não são nada comparados a aquele dia na piscina... O dia que senti como se uma parte de mim tenha sido retirada. Deixar sair tudo que esta guardado... Me parece uma boa ideia...

- Agora já chega, suma daqui antes que eu chame os guardas. - Yumi fechou a porta com força voltando apressadamente até mim - S/n me escuta, por favor não deixe que essas palavras entrarem na sua mente, nada do que fazemos é perda de tempo... jamais será... Perda d...

Os olhos da morena se arregalaram ao encontrar com os meus, meus pelos estavam arrepiados com tamanha eletricidade que passava pelo meu corpo. Eu senti que algo dentro de mim havia batido diferente. Um sentimento de quebrar todas as correntes que me prendiam, meu corpo tremendo e zumbidos no ouvido. Foi então que eu explodi.

Deixei sair.

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Primeiro capitulo <3

Espero que gostem, fiquei insegura em postar, mas precisava começar antes que perdesse a coragem de seguir com a história. Pode parecer um pouco confuso, mas irei esclarecer tudo com o passar do tempo.

A S/n muitas vezes pensa consigo mesma e responde seus próprios questionamentos, quase como se ela tivesse dois lados (um que quer mantê-la viva e outro que faz o possível para manter os sentimentos de remorso/tristeza). Então tentarei especificar sempre quando ela estiver em conflito de pensamentos.

Se cuidem !! 

Beijinhos

𝐂𝐈𝐓𝐘 𝐎𝐅 𝐀𝐍𝐆𝐄𝐋𝐒 - BONTENOnde histórias criam vida. Descubra agora