Quinze

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Sina Deinert's point of view

— Você sabe que eu detesto dizer “eu te avisei” — Noah falou quando voltou com nossos cafés, sentando-se na cadeira ao meu lado na cafeteria em frente ao meu prédio. Ele estava tão perto que eu era capaz de sentir o cheiro amadeirado de lavanda e couro.

— Detesta nada, essa é literalmente sua frase favorita — retruquei e ele deu de ombros, admitindo a pequena mentira.

— Eu te avisei que era para relaxar — completou, a voz suave, enquanto colocava o copo do expresso macchiato na minha frente. Não pensei duas vezes antes de dar um gole. Naquele momento, precisava de cafeína mais do que respirar. — Uau, está com sede mesmo — ele disse, colocando um pratinho com donuts no centro da pequena mesa.

— Preciso de café — respondi, dando mais um gole.

— Claro, já que não dormiu fazendo lembrancinhas — adivinhou. Me encolhi diante da verdade.

— Eu dormi… — Tentei me defender, mas Noah ergueu uma sobrancelha em minha direção. Cristo, não dava para esconder nada do idiota. — Por alguns minutos.

O homem ao meu lado suspirou e eu empinei o queixo, pronta para bater de frente contra qualquer comentário ácido que me desse. Mas não encontrei crítica em sua voz. No lugar dela, porém, estava a preocupação.

— Você sabe que se tivesse simplesmente ligado para Heyoon e Lamar e avisado, ela teria providenciado mais sementes, certo? — perguntou suavemente. — Ou se tivesse dormido a noite toda e trabalhado pela manhã, ou ligado para mim pedindo ajuda. Qualquer coisa que não te deixasse tão estressada a ponto de explodir.

— Não queria perturbá-los — me justifiquei, sentindo um aperto estranho no peito. Talvez fosse a cafeína. Devia ser a cafeína. Não era possível que um comentário atencioso me deixasse daquela forma.

— Você sabe que o que vai realmente perturbá-los é saber que a madrinha está tão sobrecarregada e tensa.

— Não vai falar para eles. — Virei-me em sua direção em pânico. — Os dois já têm um monte de coisas para resolver, o casamento, a viagem…

— E isso quer dizer que você pode ficar sobrecarregada? — O idiota sabia como me deixar sem resposta. E o pior de tudo: ele estava certo.

— Eu não estou… — comecei e os olhos verdes me fuzilaram. — Certo, certo. Estou um pouco cansada e… Ok, eu realmente devia ter dormido.

— Agora, sim, estamos falando a mesma língua. — Noah sorriu, convencido, tomando um gole do próprio café. — Não vou falar nada para Heyoon e Lamar, não se preocupe. Mas vou pegar as lembrancinhas e terminar eu mesmo.

— Você não… — Tentei intervir e ganhei outro olhar. Quem ele pensava que era? E por que tinha que ser tão bonito mesmo às nove da manhã?

— Como eu estava dizendo, vou pegar as lembrancinhas e não vou contar para eles, mas tem que relaxar, ok? Nossos amigos não esperam que faça tanto trabalho e nem querem que você surte.

— Sei que não — murmurei, juntando as mãos sobre meu colo. — Mas ontem à noite, liguei para Heyoon e ela parecia tão… cansada. Eles ficaram o dia todo de novo na agência de viagens, assinando papéis e protocolos, lidando com tanta coisa…

— Sabe que não pode protegê-los de tudo, não é? — perguntou e foi minha vez de olhá-lo feio. — Meu Deus, você é um desperdício no jornalismo, Sina! Como assistente social, faria o maior sucesso. — Riu e eu revirei os olhos, contendo um sorriso.

— Vai me dar um desses donuts ou está guardando todos eles para você? — Apontei para os doces no prato, controlando um bocejo.

— São todos seus. Trouxe um de cada sabor porque não sabia qual era seu preferido. — Empurrou em minha direção. — Você, com certeza, precisa de mais açúcar no sangue do que eu.

— Já estava acordado quando eu te liguei? Minta para mim se não estava — questionei, sentindo uma pontada de culpa.

— Na verdade, estava enviando um monte de e-mails para meus estagiários. Agora provavelmente eles pensam que eu morri. — Deu um sorriso arteiro que fazia covinhas aparecerem.

Gemi. Claro! Além de tudo, eu o tirei do seu sagrado home office. Por que a privação de sono não me dava alucinações e tontura como em todo mundo? Mas não! Precisava ser uma quantidade exagerada de choro e uma vontade incontrolável de ligar para o homem que eu mais detestava em toda a face da Terra para atrapalhá-lo.

— Me desculpe — pedi, culpada. — Foi absolutamente estúpido, eu devia…

— Está tudo bem — garantiu. — E você fez a felicidade de um monte de estagiários. Existe algo mais gratificante do que a possível morte do seu chefe de estágio? Eles devem estar em festa neste momento.

Culpa me atravessou em ondas.

— Quero tanto que os dois tenham um dia perfeito, que esse casamento seja incrível, como Heyoon e Lamar merecem — murmurei, olhando para o outro lado da cafeteria, enxergando a rua através do vidro, sem realmente vê-la, minha mente indo para um lugar mais distante e triste.

— Todos nós queremos, mas ninguém deseja que você entre em surto por causa disso — assegurou e a mão tocou dele meu ombro, me fazendo virar em sua direção.

Era fácil estar com Noah. Surpreendentemente fácil. Em todos esses anos, nunca tínhamos conseguido conversar de verdade, embora as palavras viessem com tranquilidade. A dor se esvaía. Quando eu estava pirando no corredor e ele me abraçou, foi como se, de repente, as coisas se encaixassem. De fato, o mundo continuava em chamas, mas eu tinha a sensação de que ele, e somente ele, poderia impedir que tudo desmoronasse.

Mesmo naquele momento, enquanto Noah pagava um café para a maluca que o tirara de casa às sete e meia da manhã, não havia crítica em sua voz, só o leve antagonismo de sempre, coberto por toneladas de uma preocupação genuína.

Era possível que fosse a confusão da falta de sono, mas a mão dele parecia tão bem em meu ombro que me inclinei em sua direção, desconexa da realidade. Um instante depois, percebi que, no fundo, aquilo parecia a única coisa certa a se fazer.

As sobrancelhas de Noah se levantaram por um segundo, denunciando o choque, e eu pisquei, esperando que se afastasse, como tinha acontecido antes. Me preparei para a dor quase física quando ele o fizesse, mas isso não aconteceu. Pelo contrário, os lábios de Noah se separaram e seus olhos vagaram para os meus, procurando por um sinal.

A adrenalina saltou em minhas veias e esperei por um segundo, buscando pelo meu próprio sinal do Universo que me mostraria como aquela era uma decisão errada. O sinal, entretanto, não veio.

Tudo que senti em seguida foi Noah se aproximando e nossos lábios se tocando.

O calor dele me engoliu à medida que o mundo ao meu redor parava. Não existia mais a cafeteria cheia de turistas falantes, um monte de lembrancinhas em meu apartamento ou qualquer outra coisa que importasse. O gosto era de café, euforia e desejo. Tudo que havia eram seus lábios sendo pressionados contra os meus, a língua dele explorando a minha, suas mãos em meu rosto e a sensação de prazer misturada com pânico.

Prazer. Minha respiração congelou e meus dedos ganharam vida própria, acariciando os cabelos da sua nuca. A mão direita de Noah desceu para o meu pescoço, tocando a base, a palma sobre o meu peito, perto do colar que eu usava, enquanto o indicador e o polegar abraçavam cada lado da minha jugular. Perguntei-me se podia sentir a pulsação acelerada.

E, então, o pânico.

Eu estava beijando Noah Urrea.

Arfei.

Noah se afastou, os olhos arregalados como os meus, embora a expressão tivesse mudado para cuidadosa. Manteve meu rosto preso em suas mãos, porém nem isso podia me tranquilizar. Minha mente já corria frenética.

— Sina… — começou devagar, como se tentasse me manter calma.

— Preciso ir — falei, sem ar, não tendo certeza se pelo melhor beijo da história ou pelo medo que me dominava.

— Você não precisa… — voltou a falar, mas eu me levantei, a mente confusa pelo arrepio elétrico em minha pele. Tive vontade de me jogar em seus braços outra vez e, ao mesmo tempo, fugir de volta para o meu apartamento.

Escolhi a segunda opção.

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