Vinte e nove

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Noah Urrea's point of view

O celular vibrou pela terceira vez e cogitei desligá-lo, não que ele fosse uma distração, já que estava há horas encarando o AutoCAD sem saber o que fazer. Sem, de fato, trabalhar. Poderia apostar que os figurões da Wibersoft estariam orgulhosos de mim, a aposta para o God of Death II, que aparecera no escritório uma vez agindo como um lunático e pedindo para continuar trabalhando em home office.

Eu tinha sorte de eles me acharem genial e talvez entenderem que parte daquela suposta genialidade vinha com uma dose de excentricidade. Minhas olheiras e completa apatia no primeiro dia de trabalho também tinham soado como uma coisa boa. Mas eu, no fundo, sabia o que aquilo significava.

Minha cabeça ainda permanecia em Nova York, a milhares de quilômetros de onde eu estava.

Se alguém olhasse para meu apartamento naquele momento, com certeza não iria pensar que ali morava a aposta da Wibersoft. Era mais fácil imaginar que ali vivia um cara que estava sofrendo.

O celular tocou de novo. Sabia que não podia simplesmente desligar, pois a chamada não era da empresa. Eram Heyoon e Lamar, prontos para me dar atualizações sobre como estavam sendo os dias no Cabo da Boa Esperança. Bem, na verdade, Lamar me dava atualizações, uma vez que sua esposa não me dirigia mais a palavra.

Eu sequer podia julgá-la. Também gostaria de poder me ignorar.

Suspirei, atendendo a chamada de vídeo e esperando até que o pacote de dados básico que usavam colaborasse. Para minha surpresa, no entanto, não foi um Lamar sorridente, morador de um hostel e que vestia camisas havaianas que me recebeu. Foi uma Heyoon bronzeada e com um olhar questionador.

— Bom dia, Urrea. Você parece péssimo — acusou. Não podia discordar. Eu estava com o mesmo moletom há dois dias, meu cabelo, bagunçado e a barba, por fazer. Era óbvio que a pequena Jeong iria jogar aquilo na minha cara.

— Queria poder dizer o mesmo de você — falei e ela tentou conter um sorriso, mas não fiz nada para parar o meu. Era bom vê-la, pois, de certa forma, eu também estava vendo uma parte de quem eu não podia.

— Gravidez faz a gente brilhar — esclareceu, jogando os cabelos morenos pelos ombros. — Mas não pense que te perdoei, ok? Esse não é um telefonema de bandeira branca.

— Nem eu me perdoei. — Minhas palavras a pegaram de surpresa. Seus olhos se arregalaram e, em seguida, se tornaram empáticos.

Isso me pegou de surpresa. Esperava ver mulheres inglesas nuas no sofá, mas tudo que vejo são… — Esticou o pescoço e pareceu tentar olhar ao meu redor. — Caixas e mais caixas ainda cheias. Por Deus, Noah, você chegou aí há semanas.

— Ainda não tive tempo para desempacotar — menti, esfregando os olhos, um movimento que era verdadeiro, uma vez que estava com sono, ainda desacostumado ao fuso horário e sem conseguir dormir à noite.

— Não teve tempo ou não quis? — Yoon questionou. Desviei o olhar, fixando-me na única coisa que desempacotei, a boneca russa que Sina me deu de presente quando estávamos escolhendo o tapete para nossos amigos.

Segurei o enfeite nos dedos, sentindo a textura conhecida contra a pele. Tinha segurado aquela bonequinha como uma criança que carregava um cobertor de um lado para o outro. Fizera aquilo da mesma maneira como teria segurado Sina.

— Não tive tempo — respondi por fim.

— Tem tido dias agitados? — ironizou. — Essas olheiras são de tanto festejar?

— Olha, Heyoon, se me ligou para tentar me deixar para baixo, já cumpriu seu papel. Se não tem mais nada para dizer…

— Certo, certo, certo! — falou em rendição. — Na verdade, não liguei só para ver como você está deprimido. Liguei porque… sinto falta do meu padrinho de casamento — sussurrou a última parte.

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