Capítulo 24

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ARCHIE


[—Eu amo o fato de você usar o mesmo perfume, Archie. Você sempre soube como eu adorava o seu cheiro cítrico.]

Engoli mais um gole de whisky, sentindo o calor da bebida descer. A quem eu estava tentando enganar? Ela estava bem ali, na minha frente o tempo todo. Eu devia ter confiado nos meus instintos. Esquecer o nome diferente, a história que ela me contou, o parentesco incômodo. A verdade estava em cada detalhe. Ela era a garota por quem fui completamente apaixonado. Aquela que, anos atrás, tinha meu coração em suas mãos e que, por não poder esquecer — ou tê-la —, me deixou amargurado por todos esses anos.

E agora, mesmo com esse nome, Hanna… Mesmo agora, ainda era ela.

Quem mais? Ela era a única garota que ficava obcecada pelo meu perfume e que insistiu em gostar de tangerina só para compartilhar o que achava ser uma ligação comigo, mesmo detestando o gosto ácido do limão. Totalmente louca!

Já fazia anos que eu não tocava em álcool, mas dessa vez não podia evitar. Era apenas eu, a bebida, o lago em minha frente e o silêncio que só fazia meus pensamentos ecoarem ainda mais alto. Dei o último gole, deixando a garrafa de lado, e respirei fundo antes de voltar para casa. Enfrentar meu passado era a única coisa que me restava agora.

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Assim que estacionei o carro, ouvi vozes e risadas vindas da sala. Segui o som, tentando manter o rosto o mais inexpressivo possível.

—ARCHIE! —May quase perfurou meus tímpanos ao gritar.

—Onde você estava? —ela perguntou, curiosa.

—Fui tomar um ar.

—Bom… pelo tempo que demorou, você deve ter enchido bem os pulmões —Mark riu. Ele me vira mais cedo pegando a garrafa na cozinha, mas nem imaginava o que eu pretendia. Eu, por outro lado, não estava para brincadeiras.

—O que vocês estão fazendo? —Olhei para a rodinha no chão.

—Jogo da garrafa. Quer jogar? —Jhon perguntou, provocador.

Jogo da garrafa? Como um déjà vu, aquela cena parecia vir direto do passado. Seria essa minha chance?

—Por que não? —sentei-me com eles, deixando que o destino fizesse sua parte.

—Você bebeu, Archie? Concordou rápido demais —May riu, levantando as sobrancelhas.

—Bebi, mas não estou bêbado. Apenas encorajado. —sorri de canto. Eu estava sóbrio o suficiente, mas disposto a aproveitar essa oportunidade.

Rebecca olhou para Hanna, chamando-a para o círculo. Eu me mantive em silêncio, mas meus olhos traíram minha calma, buscando encontrar os dela. Eu precisava que ela participasse. Isso era o que eu queria.

Para minha surpresa, ela se levantou e sentou-se na minha frente. Por um instante, vi Sierra ali — a verdadeira Sierra, que sempre esteve atrás daquela nova identidade.

—Eu giro a garrafa —falei, apressado, antes que alguém o fizesse. Girei devagar, fingindo ser o acaso. E quando a garrafa parou na direção dela, peguei sua mão e a puxei comigo, sem me importar com os olhares ao redor.

Ela havia mentido para mim. A garota que eu tinha amado estava bem ali o tempo todo, rindo de mim? Minha amizade, tudo entre nós… não valia nada?

Paramos na biblioteca. Eu a soltei por um segundo, sentindo o peso do que precisava dizer, mas as palavras fugiram. Por que eu tinha que desejá-la tanto, mesmo sabendo que não era certo?

—Archie… está tudo bem? —sua voz saiu trêmula, como se estivesse insegura, o que só aumentou minha inquietação.

—Você gosta do meu perfume? —soltei, analisando cada reação sua. Ela piscou, atônita, como se não entendesse o motivo da minha pergunta.

—O quê?

Ela realmente não lembrava do que dissera na noite anterior? Eu me aproximei, falando devagar, baixo.

—Gosta do meu perfume?

—Eu... eu não… —seus olhos revelavam o medo. —Não sei…

Ela não podia mentir para mim agora, podia? A puxei para mais perto, eliminando qualquer espaço entre nós, sentindo seu perfume doce e envolvente.

—Está forte o suficiente para você agora? —sussurrei em seu ouvido, provocando-a. Mas, para minha surpresa, o cheiro dela também me dominou, fazendo meu coração acelerar. Por que você? Por que ainda tinha que ser você?

Deixei meus instintos tomarem conta e a beijei, com uma intensidade que eu não conseguia mais segurar. Esperei, inseguro, pelo seu retorno. E, quando ela me correspondeu, meu coração finalmente se acalmou.

Os lábios dela eram exatamente como eu imaginava, suaves e delicados. Era como se cada toque seu ficasse gravado em mim. Aproximei-me mais, minhas mãos envolvendo seu rosto, querendo guardar cada sensação, cada detalhe.

Suas mãos passeavam pelas minhas costas, e nossos lábios se separaram por um breve segundo. Nos olhos dela, aquele verde profundo, vi todo o desejo que ela tentava esconder. Me perdi ainda mais.

A intensidade aumentava, e eu sabia que estava em um ponto sem volta. Fomos nos movendo pelo cômodo, deixando que nossos corpos falassem. Ela apertava os dedos nos meus cabelos, e eu só queria que o mundo parasse ali.

Mas então… algo quebrou dentro de mim. Eu não podia fazer isso. Ela… nós… Nossas famílias. Esse amor era um erro, um erro que eu não devia ter cometido.

Aos poucos, me afastei, com as mãos dela ainda entre as minhas. Encostei-a contra a prateleira, e a beijei uma última vez, intensamente, como se minha vida dependesse disso. Mas eu sabia que era errado. Sabia que tinha que soltá-la.

Finalmente, juntei o resto de força que me restava e dei um passo para trás. Nossas respirações estavam pesadas, e ela olhava para mim, sem entender.

—Sierra.

O nome saiu como um sussurro, fazendo-a congelar.

A dor apertava meu peito, e eu sabia que, se ficasse ali, não resistiria. Dei as costas, saindo sem olhar para trás, tentando controlar a tempestade que rugia dentro de mim.

—Archie, espera! —sua voz ecoou na sala, enquanto as pessoas ao redor nos observavam curiosos. Continuei andando, mas podia ouvir seus passos atrás de mim.

—Por favor, deixa eu explicar! Eu ia te contar… só que…

—Contar o quê, Hanna? Ou deveria te chamar de Sierra? —me virei, sentindo o peso das palavras. —Foi divertido para você? Rir da minha cara esse tempo todo?

—Para com isso! —ela implorou, a voz tremendo, as lágrimas se formando.

—Eu fui um idiota, não é? Um completo idiota! —cuspi, sentindo o nó em minha garganta apertar.

—Sim, eu errei! Mas por que é tão errado eu ser quem eu sou?

Eu ri, sem acreditar.

—Você… você é a filha do homem que tentou matar o meu pai! —minha voz saiu cortante, e vi o choque em seus olhos. —O seu pai arruinou a minha família. Você tem ideia do que ele fez? Do quanto sofremos por causa dele?

—Eu não sabia… —sua expressão desmoronou, e pela primeira vez, acreditei. Mas… por que ela nunca procurou saber?

—Então, por que me beijou? Me diz por que beijou o filho do homem que seu pai quase destruiu?

Minhas próprias palavras me atingiram como um soco. Eu também estava em conflito, uma bagunça de emoções. Como pude beijá-la sabendo de tudo isso?

Nossos olhares se encontraram, e tudo o que restava em mim se desfez. Não havia mais nada a dizer. Apenas saí, deixando-a ali, sem olhar para trás, enquanto cada passo doía mais que o anterior.

Tangerina (REVISÃO) Onde histórias criam vida. Descubra agora