vinte e um.

3.1K 310 44
                                    

15 de outubro de 2022, por Catarina.

⠀⠀⠀

⠀⠀⠀

⠀⠀⠀

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

─── Tu que é a sabichona, Ina. Dá pra morrer virando cambalhota?

Tem um André ofegante na minha frente, parado aqui há alguns segundos desde que pude ouvir o grito da mulher que nos pariu mandando ele parar antes que morresse. Agora sei que ele estava fazendo palhaçada.

─── Tem, você vira de mal jeito e quebra o pescoço. Aí morre. ─── eu poderia dizer que as chances são bem baixas também, mas alimento a razão da minha mãe. ─── Sossega aí, vem ver o próximo jogo e me deixa estudar.

─── E cadê João, ein Catarina? Já tá na hora de chegar. ─── se joga ao meu lado, sem nem se preocupar com todo o meu material espalhado pelo sofá. ─── Ele vem pra cá, né?

─── Vem, deve tá chegando.

Como já é rotina, João jogou hoje e estaria voltando por agora. Assistimos de casa mesmo, primeiro porque ainda não tive a saúde de recorrer a minha proibição de entrar no Maracanã, então fiquei pelo meu sofá, dividindo a atenção entre o Flamengo e as aulas de anatomia que eu precisava colocar em dia.

─── Tu acha que o João vai te pedir em namoro quando?

Não tem nada mais genuíno que a risada que sai dos meus lábios. Nem me ocupo em tirar os olhos do meu caderno e muito menos em dar uma resposta para André. Ele ficou quieto por tempo o suficiente pra eu desconfiar que estava pensando merda.

─── É sério, insuportável. Se a geladeira da mãe custou trinta mil limpinhos, imagina a aliança. Pode botar no dedo e penhorar, assinar um seguro. Credo, e se tu perde? No lugar dele eu terminava na hora, juro.

─── Cala a boca, André. Não tem aliança, não tem namoro. O João tem é que ir pra terapia, tem que se cuidar. Não é hora de pensar nisso. ─── não preciso nem pensar muito pra responder. É o que tenho pensado há dias.

─── A terapia dele se chama Catarina Mendes, sem estresse. Olha o João dois meses atrás e olha ele agora. Tu bem que escolheu a faculdade errada, era pra tu ser psicóloga. ─── tagarela ─── Sério, Ina. Sei que você se colocou em segundo plano pra cuidar dele. E se ele souber reconhecer isso... Tudo indica que a mãe vai realizar o osonho dela de ser sogra de João Gomes.

Fico em silêncio, porque não vejo isso quando me lembro dos últimos dias. Sei que deixei minha própria rotina de lado por causa de tudo isso, que tinha matéria para colocar em dia pra uma semana inteira, que me desgastei muito. Mas vale a pena, eu acho que vale.

E André também acha muita coisa, porque me aluga durante pelo menos uma horas até minha mãe vir nos colocar pra cama. Aviso que vou ficar mais um pouco até João chegar, o que ainda me custa uma hora inteira.

Consegui até concluir uns exercícios que estavam faltando, até ouvir a porta abrir, E ao invés de vir para a sala, João passa direto para o quarto. Se eu posso vê-lo, sei que ele pode me ver aqui também.

─── João? ─── resmungo ao me levantar, fazendo o mesmo caminho que ele faz até entrar no meu quarto. ─── Tá tudo bem? Você demorou...

─── Estava no Matheus. ─── Matheuzinho, eu acho. ─── Quer perguntar ele? Manda mensagem.

Encosto na porta e o acompanho pelo olhar. João não sabe ser grosso, pelo menos não comigo. Mas sei que é o que está tentando fazer, mesmo que isso tudo fosse o medo dele de gerar o que provavelmente geraria caso fosse Vanessa o esperando acordada quando ele devia ter chegado há pelo menos uma hora e meia.

Bem, pelo menos ele estava se divertindo, não me lemro da última vez que ele saiu assim espontâneamente.

─── Legal, legal. Vocês comeram? Tem janta pronta. ─── resmungo e é claro que estou pisando em ovos. Não sei com o quê estou prestes a lidar

─── Comi, tô de boa. ─── o assisto tirar a camisa, apenas a substituindo por uma que costma usar pra dormir. ─── Vou dormir, tá? Amanhã tem treino.

Há alguns poucos anos atrás, tenho certeza que brigaríamos bem agora. Na verdade, minha língua coça pra dizer que estava aqui esperando ele chegar pra poder ir dormir, já que tenho faculdade logo cedo. Que era só ele ter me mandado mensagem dizendo que ia demorar e eu iria pra cama tranquilamente, e que ainda por cima estava sendo tratada no maior pouco caso mesmo sem ter feito nada.

Mas fico quieta. Porque está sendo difícil pra ele, porque a mente dele deve ser apenas um emaranhado de confusões e Vanessa fez nós tão feios que não conseguimos soltá-los até agora. Então eu fico em silêncio.

Apenas o assisto perambular pelo quarto, trocar de roupa, procurar seu carregador e ficar de pé e encostado na parede pra poder usar seu celular na tomada.

─── Pode ir dormir, Catarina. Não precisa ficar parada aí.

─── O que aconteceu, João? ─── não consigo evitar perguntar. ─── Você não fala assim comigo.

─── Você quer que eu fale com você como, Catarina? ─── quase posso rir quando o escuto dizer meu nome com o ¨Ca¨ no começo.

Nego com a cabeça.

─── Não sei... Eu tava só te esperando pra ir dormir, tava aqui de boa. Aí você chegou assim... ─── ergo os ombros. Parece até que meu coração vai sair pela minha boca.

─── Então vai dormir, ué. Muito simples.

─── Eu tô indo mesmo, só não... Tá, chega. Uhum, eu vou dormir. ─── me contento em respirar fundo. Era isso ou uma briga plena madrugada. ─── Vou deitar lá com a minha mãe, boa noite.

─── Para de palhaçada, deita aí. ─── o tom de voz continua a mesma coisa ─── Você esperava que fosse a mesma paz todos os dias? Eu sabia que tinha alguma coisa errada. Não existe isso, tudo tão certo por tanto tempo. Não existe.

O encaro somente peloo tempo necessário. Já entendi. Entendi tudo.

João quer brigar, quer voltar para o que conhece, quer perder a razão. Não sei se ele está esperando que eu o atinja nas costelas ou nas costas, que eu quebre alguma coisa.

Mas, bem, eu ainda sou quem vejo quando olho no espelho.

─── Verdade, não existe. ─── ergo os ombros mais uma vez, me aproximando pra segurar seu rosto e beijá-lo brevemente no rosto. ─── Boa noite, João. Dorme bem. Tomara que amanhã esteja tudo certo. ─── resmungo antes de voltar para a porta, agora com o meu travesseiro debaixo do braço e saindo de vez.

Preciso continuar acreditando que vale a pena me colocar em segundo plano por João.

⠀⠀⠀

⠀⠀⠀

⠀⠀⠀

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

⠀⠀⠀

⠀⠀⠀

⠀⠀⠀

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

alô alô

𝗩𝗢𝗖𝗘 𝗡𝗔𝗢 𝗣𝗥𝗘𝗖𝗜𝗦𝗔 ⊹ joão gomes 1/2Onde histórias criam vida. Descubra agora