Néftis
Sentada em minha poltrona, distrai-me com o espaço infinito à nossa frente. Estávamos nos aproximando do ponto de salto interespacial. Nunca tive a oportunidade de explorar a galáxia e tampouco desejei que fosse dessa forma. Ao atravessar o portal, demos de cara com um cinturão de asteróides, o que me fez olhar em volta, para a estrutura da embarcação; como esperado, não havia motivos para se preocupar, passaríamos ilesos por essa turbulência.
— Gosta do que ver?! Tenho muito mais riquezas que esta! — ouço o macho dizer, lá de sua poltrona de comando. Não sei se estava tentando manter uma conversa, porque se for isso, definitivamente, não estou afim. Prefiro que esteja apenas se vangloriando.
— Hum…aposto que tem mesmo! — é inevitável desdenhar — Certamente, nada conquistado por mérito, mas assaltando outras raças!
— Vejo que não aprova meus métodos! — diz com sua iris profundamente vermelha cravada em mim.
— Não é como se isso fosse detê-lo…— suspiro em desgosto, só desejando que ele entenda que não quero qualquer tipo de amistosidade entre nós. Isso sequer faz sentido.
Após mais alguns minutos, atravessamos o pequeno obstáculo e o barco parou de tremer. Eu ainda me atinha a pontos de localização que me pudesse ser úteis, talvez porque houvesse uma ínfima fagulha de esperança em mim de conseguir escapar do meu destino final. No entanto, isso tudo foi por terra, assim que vi nossa localização atual.
Havia uma estrela negra a nossa frente; a coisa consumia qualquer luz que se aproximava, como um grande monstro de fome insaciável.
Estamos na parte do inferno galáctico conhecido como zona morta. Poucos ousam se aventurar por essas bandas, é como cortejar a própria morte, o que não parece ser um problema para o Ceifador. Ele mantém a calma de quem está habituado a fazer esse percurso. Uma rápida olhada na tripulação me faz ter essa certeza. Estão todos calmos.
Não é atoa que ele não tenha inimigos com vontade suficiente de confrontá-lo; esse lugar é um cemitério de embarcações e o modo como manobra a sua, diz que ele o conhece como a palma da sua mão.Sequer ouvi falar que exista vida inteligente nessa parte do universo. Uma estrela negra é capaz de tragar tudo à sua volta num raio de milhões de quilômetros luz de distância. Isso me faz pensar que se morressemos aqui, todos os problemas estariam resolvidos. Talvez eu pudesse provocar um motim; se eu conseguir tomar o controle do barco por apenas um instante, serei capaz de jogá-lo no buraco à nossa frente.
— É tentador, não é?! — ouço-o perguntar. Imagino estar falando com um dos tripulantes, mas quando não ouço qualquer resposta, percebo que é comigo.
— Oh! O quê?! — confusão me atinge. Do que esse bastardo está falando?!
— Todos os problemas do seu povo seriam resolvidos aqui se eu morresse, não é?! É melhor não cultivar essas ideias… — ele me diz.
— Eu não…
— Ah, não negue! Posso sentir o cheiro pútrido de sua intenção assassina! — ele fala com a mesma calma de antes, como se nada realmente o perturbasse.
Só agora percebi o quanto estou apertando as laterais do meu assento. Se é verdade que ele podia sentir "o cheiro" do meu intento, obviamente o poderia ver muito mais através do comportamento do meu corpo. Por muito pouco não entreguei meu disfarce. Devo tomar mais cuidado da próxima vez.
Passei a ignorar o fato de que ele mantinha seus olhos em mim; voltei a prestar atenção no espaço. Passamos em segurança pela estrela negra, mas a zona morta se estendia para além do seu alcance, o que não me surpreendia.Já se passara meio ciclo desde que saímos de Atlys, meu planeta natal e mesmo viajando nesta velocidade astronômica, não chegamos a lugar algum. Eu estava começando a pensar que o Ceifador não tinha um lugar fixo para retornar; isso até o painel começar a emitir um sonido agudo e um ponto específico começar a piscar. Só que, exceto, pelo que o painel mostrava, não havia nada lá. Apenas o vazio.
Voltei a me preocupar quando as coordenadas mostraram uma outra estrela negra nas proximidades.
Aonde esse bastardo está me levando?!De repente, paramos. O ponto brilhante no painel parecia macisso e maior, o que só me confundia. Estavamos parados diante do nada. Isso até que ele emitiu uma ordem através do comunicador e uma espécie de portal foi aberto bem na nossa frente.
O navio foi guiado através dele e vi o Ceifador emitir uma reação desagradável ante a luz que agredia sua face.
Não demorou muito para que atravessassemos.
Quase saltei do meu assento ao me deparar com o que está do outro lado.
Há um planeta aqui. Como ele conseguiu tecnologia para esconder algo assim?!
Não é por acaso que ele está indetectável. O local está posicionado entre duas estrelas negras e guardado por uma tecnologia de disfarce. Nunca imaginei ver algo dessa magnitude em minha vida.
É um tipo de terreno perigoso que poucos se aventurariam, mesmo as civilizações com tecnologia de ponta. A distância em si, não valia os gastos com partículas de energia para se chegar até aqui.Fui conduzida para fora, aliás escoltada , assim que o navio pousou. Duas fêmeas me aguardavam na rampa. A conduta delas era de quem já fizera isso muitas vezes.
— Por favor, nos acompanhe, minha rainha! — uma delas se dirigiu a mim com profundo respeito.
Desci em sua companhia sem questionar, a essa altura não havia muito que pudesse ser feito e eu ainda precisava manter a farsa até minha morte.
Adiante avistei um belíssimo palácio. O acesso do navio até ali, se dava através de uma ponte flutuante sobre um abismo rochoso, cujas rochas emitiam um brilho cintilante como as estrelas lá no céu. E por falar no céu, agora percebi que esse é diferente do de minha terra natal, seu tom escuro dava uma conotação sombria para o lugar.
A natureza aqui, não tem os tons claros que estou habituada. As árvores presentes no panorama, são de cores escuras, que me fazem lembrar um pântano. Mesmo a água, que avistei numa fonte no jardim suspenso, possui tonalidade escura, não cristalina como tenho visto. As flores, em cores vibrantes, lembravam muito o fluido de uma espécie de primatas que tive contato quando ainda era um filhote.As cores vivaz se estendia para além da natureza, invadindo a ambientação do palácio, quer fosse em suas paredes, no piso ou mesmo nos ornamentos espalhados em pontos estratégicos, o que em nada deixava a desejar para os padrões da realeza.
Fui levada direto para um recinto onde havia uma fonte termal. Pelo visto, estavam me sendo oferecido um banho, como se eu trouxesse a sujeira do universo comigo. Olho a água, aparentemente viscosa, me perguntando se aquilo, de fato, pode ser usado para essa finalidade.Bem, é o que temos!
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NÉFTIS E O CEIFADOR DE MUNDOS: Contos Alienígenas
Historia CortaO Ceifador de Mundos está em busca de sua companheira e tem destruído civilizações, só para conseguir o que deseja. Porém, em meio a mais uma negociação, acaba sendo enganado e leva consigo uma substituta. Néftis é só uma guerreira leal, que por gr...