A VERDADE APARECE

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Néftis 

Seth me fez descansar um pouco recostada ao seu corpo, sendo que me neguei a ir para o meu dormitório.
Demoramos um pouco ali e então pedi para retornarmos para a ala médica. Não quero me ausentar por muito tempo de perto da minha mãe.

Agora, ela está com tubos finos inseridos em seus dois braços, por onde desce continuamente um líquido nutritivo. Sua pele não está mais lesionada, o que mostra que Eliot já cuidou de seus ferimentos.

— Ela parece bem melhor agora…— afirmo sem muita certeza se meus olhos não estão me enganando.

— Sim! — o velho afirma com um sorriso —  Ela é uma fêmea forte e tem lutado vigorosamente para viver! Daqui há pouco estará acordando…— fala entusiasmado, o que enche meu coração de alegria.

Acabo me aproximando e segurando a mão dela. É tão delicada e pequena, como a minha um dia foi. Sorrio olhando a diferença de tamanho.

— Mãe, agora você está segura! — sussurro sem qualquer pretensão de ser ouvida, mas ainda assim desejando que ela sinta em seu íntimo que não está mais naquele lugar imundo.

Eu sei que sofri muito na tenra idade, mas nem sequer consigo mensurar o sofrimento pelo qual ela deve ter passado. Tenho dez mil ciclos de vida e durante todo esse tempo ela esteve enterrada naquele lugar imundo. Não sei como conseguiu sobreviver num buraco, provavelmente recebendo só uma escassa ração que lhe permitisse ter uma sobrevida. Por que estou pensando isso?! Bem, Jendayi é o tipo de pessoa que faria algo tão cruel.

Confesso que estou um tanto insegura com sua reação ao me ver, quando finalmente despertar. Nem mesmo posso cobrar qualquer tipo de afeição. Somos apenas vítimas de uma rainha tirana, que causou nossa separação. Só que não tem como não pensar, como teria sido se eu tivesse crescido sobre os cuidados da minha mãe.
Suspiro pesadamente ao pensar nisso e procuro afastar isso da minha mente. O que está feito, está feito. Não há como mudar o passado. Mas posso escrever um novo futuro. De uma coisa estou certa, eu cuidarei dela com o zelo que merece.

Nesse momento, sinto um leve aperto em minha mão, trazendo-me de volta à realidade que me cerca. Não sei se é um movimento involuntário, mas ela está apertando meus dedos, de forma débil, mas ainda assim, um aperto. Meu coração até tropeça no ritmo com essa emoção bem-vinda.

— Não se preocupe, filha! Ela ficará bem! — Eliot me garante, reforçando aquilo que já dissera antes. Sua mão vem ao meu ombro, num breve acalento — Neste momento, não sou mais útil aqui, vou deixá-los à sós. — diz antes de virar as costas e sair.

É certo que não tinha como eu ficar ao pé do leito sem cessar, podia ser arriscado para nós duas, porém estaria com ela o máximo de tempo possível. E assim o fiz. Os ciclos pareciam ter se estendido para além do normal, enquanto eu ficava naquela agoniante espera. Pelo menos, vejo que ela está melhorando. Sua pele está viçosa e é nítido seu ganho de peso. Seus ossos já não estão mais tão proeminentes. Contudo, o que mais me intriga é a sua aparência. Ela é exatamente igual àquela rainha bastarda. Procuro não pensar muito nisso, senão ficarei louca. A aparência é o de menos, desde que não seja como aquela megera.

Sempre que pode, Seth tem vindo nos ver, já que a naga maldita não tem lhe dado brecha e está sempre grudada nele como uma erva daninha. Deixa ela aproveitar esse resquício de vida que ainda lhe resta, porque mesmo que minha mãe a perdoe, eu definitivamente não o farei. Nem mesmo pensar em seu filho, que é inocente, senão uma vítima também, faz-me retroceder. Estarei fazendo um favor a ele. Ninguém merece esse tipo de mãe. É bem melhor ser sozinho. Ele é só um filhote agora, mas quando tiver idade suficiente, certamente entenderá que as atrocidades cometidas por sua progenitora não poderiam ficar impunes.

Ciclos depois

Está cada vez mais perto a data marcada para a celebração de união entre Jendayi e meu macho e ele tem estado mais ranzinza e impaciente em relação a isso. Se não fosse por mim, decerto já teria torcido o pescoço da naga, tirado sua pele e estendido ao relento. E devo confessar que muito me compraz em pensar algo do tipo sendo feito com ela.

Hoje, logo cedo, vim visitar minha progenitora. Durante todo esse tempo, tenho revezado com Eliot, os cuidados com ela. Sou eu quem dá banho e troco suas roupas todos os ciclos. 

— Olá, mãe! — A saúdo como sempre faço assim que entro na ala médica — Como está hoje?! Dormiu bem?! — Sei que ela não vai responder ou emitir qualquer reação, porém sinto que posso alcançá-la através da sua bruma e confortá-la, onde quer que esteja vagando nesse mundo dos sonhos.

Porém, desta vez, houve resposta. Para meu espanto e alegria, de repente, seus olhos se abrem. Primeiro, ela demonstra um olhar perdido, depois entra em pânico, tentando se soltar dos tubos que a alimentam. Seguro-a com cuidado, para contê-la sem a machucar.

Acalme-se! — falo em sua mente, buscando um caminho em meio ao seu desespero e só então me dou conta de que ela não é como eu e não poderá me ouvir.

No entanto, para minha surpresa, ela vira o rosto para mim. Não consigo decifrar seu semblante. Talvez, surpresa! Não sei ao certo!

— Você está em segurança… — tento tranquilizá-la com o mínimo de palavras possíveis. Não creio que depois de tudo que viveu, ela consiga absorver grandes explicações.

— Você é um ser iluminado?! — confusão me atinge com essa pergunta. Sei exatamente o que ela quer dizer. Pelos deuses! Ela acha que vai voltar ao infinito e estou aqui para ajudá-la na transição. Sério que pareço um ser iluminado?! Quase ri disso! Tudo que desejo nesse momento é vingança, então não há iluminação alguma em mim. Ainda não ascendi a esse ponto.

— Não! — Nego segurando sua mão — Pode me sentir?! Sou de carne e osso…e você também… — sigo falando serenamente — Sou apenas a pessoa responsável por seu resgate! — Minha vontade é me apresentar como sua filha, mas não tenho certeza de como reagirá a uma notícia dessas.

— Ôh…— ela faz um esforço para sorrir — Agradeço por me tirar daquele inferno… — ouço um grunhido característico e sei que está sofrendo com suas lembranças.

— Você se lembra o que aconteceu?! Lembra quem é?! — ouso perguntar, esperando que ela tenha lucidez suficiente para discernir entre o que é real e o que não é. Afinal, deve ser difícil manter a mente sã tendo passado tanto tempo trancada num buraco.

— Ah, sim…preferia não lembrar, já que é por ser quem sou que fui parar naquele maldito inferno! — fala com um amargo suspiro — Eu sou a rainha Jendayi e você, quem és?!

RAINHA?! JENDAYI?! 
Pelos deuses! O que está acontecendo aqui?! Eu não ouvi errado, não é?!

Tudo ao meu redor se torna uma densa névoa …





NÉFTIS E O CEIFADOR DE MUNDOS: Contos Alienígenas Onde histórias criam vida. Descubra agora