Pelas ruas desertas espreita ele, como a névoa
Luzes desvanecem nos postes esguios
Sob uma mortalha elástica de estrelas mortas
Fenda rubra no horizonte, crepúsculo de seu olhar
Mãos finas enterradas nos bolsos do casaco
Cores que se findam e esmorecem
Insaturação
Gigantes blocos de concreto raspando o negror em volta
Por trás de cada vidraça, rostos lúridos, ingênuos
Vidas engaioladas a destinos desprezíveis
Elas abrem seus sorrisos costurados
E sangram ao se cortarem nos estilhaços
Carne podre varrida para as sombras da prisão
Elas não o deixam ver suas ataduras
No escuro dessa vereda que se alarga
Como uma estrada infinita, perigosa
O tempo é lento e oco
Ventos uivam como os assovios das almas esquecidas
Elas cantam, pois pedem para não desaparecer
A brisa roça nas pedras das lápides, levanta as cinzas
Corações que já se foram, ceifados pelo içar do manto preto
Agraciados por descansarem no limbo dos infestos
Pássaros de ébano pendurados nos cabos
Observando o lamento dele, silencioso
Cortado pelos sussurros entre as moitas de espinhos
É nesta trilha há muito velha, baldia
Salpicada de poças negras
As lágrimas que o céu deixou
Que jaz, sob a luz baça da lua
Um reflexo pálido de alguém sem respostas.
Mas ele não se vê.
Não sabe quem foi
Não sabe quem é
Solidão cospe em seu âmago canivetes afiados
Incompletude amputa seu ser feito adagas
Não há nada para sugar, e por isso dói.
Um gosto amargo em seu paladar frio.
Mas também uma singela e doce vigília
Sempre, porém, neste rumo inerte
Ele vai, devorando a própria cauda
Sozinho há de ficar, outra vez
A fé dele é cera que derrete
Com a primeira brasa do real
Seus pensamentos feito ondas de um rádio;
Gritos afogados no abismo do oceano
Oh, noite eterna, vazia
Este mundo não é mais meu?
Como flores no inverno, ele secou e morreu?
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ALGAR DE DEVANEIOS (textos poéticos e crônicas) [EM ANDAMENTO]
PoesíaAfunde em um universo de poesias góticas, ultrarromânticas, simbolistas, decadentistas e tudo o que você queira chamar. Aqui, a melancolia e a morbidez dialogam em cada verso, tecem uma teia de beleza nos territórios do macabro, do fúnebre e do somb...