Caixão de uma alma só

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Estou sozinho no quarto
Há apenas a companhia dos demônios que acampam à minha volta
Dentro de mim
Em meus pensamentos
Ecoam as vozes de meus vizinhos animados do lado de fora
Os barulhos de uma casa grande demais para ser silenciosa
Sons que gritam e se perdem no caminho
Cruzando os corredores como ritos espectrais
Os gafanhotos cricrilam uma sinfonia triste além da janela
O farfalhar das árvores, trêmulo e baixíssimo
O içar da minha persiana, ruído do meu martírio
A noite é tão pura mas também tão insone.
Desperta o pior de mim.
Carros cruzam as ruas solitárias como vultos de um amanhã sem epílogo
Os postes de luz baça refletem no asfalto,
Feixes foscos de um laranja-fogo;
Um fogo que não arde nem queima,
Mas que bruxuleia, frágil e sacolejante.
Fosco feito a vida. Feito a morte.
Pista molhada dos pingos de mais cedo.
Úmida por ter chorado.
Transbordado em dor.
Minha mente esganiçada e meus problemas deveriam me bastar.
Mas só o que sinto é uma solidão profunda
Tão abissal e medonha que cai sobre mim
Como uma nuvem.
Chuva tempestuosa.
Afogo-me em suas águas, tentando escapar até a superfície.
O motor da geladeira urra, piedoso sobre meu vazio.
Ao longe, uma usina trabalha como um fantasma da madrugada fria.
Há o pulsar tedioso do meu coração.
Este órgão que sofre, que sangra, e em espinhos se fere.
Enroscado em farpas de arame por um amor que jamais será meu.
Não nasceu pra ser.
Futilidade.
Como somos tão capazes de escolher o erro?
Como podemos ser tão bêbados por um único beijo?
Ele podia estar aqui.
Em vez disso, eu me acanho por dentro.
Abraço meu esqueleto.
Predestinado a amar somente a mim.
Não há com quem dividir.
Sem partilha.
Sem minha metade.
Pensando nele.
Sozinho na noite
Sozinho
Sozinho
Sozinho...

ALGAR DE DEVANEIOS (textos poéticos e crônicas) [EM ANDAMENTO]Onde histórias criam vida. Descubra agora