Cruzando a linha

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A taça na mão dela estava vazia novamente. Olhando para a garrafa de vinho na mesa de centro, Cassie soltou um suspiro longo e frustrado. Ela sabia que se arrependeria de beber tanto no dia seguinte, mas, naquele momento, considerando os sentimentos que a consumiam, uma segunda taça de vinho parecia uma preocupação menor.

O lado racional dela sabia que havia mais na vida do que ter filhos, mas todos os seus outros objetivos e desejos pareciam secundários. Ela se inclinou para a frente, encheu a taça e tomou um gole generoso. Ela podia ouvir a voz do pai dentro da própria cabeça novamente, fria e sarcástica.

"Você é completamente inútil", dizia ele. "Você é incapaz de cumprir até mesmo o mais básico dos seus papéis como mulher".

— Porra, Cassandra — ela murmurou para si mesma. Ela inclinou a cabeça para trás, tentando evitar que as lágrimas escorressem pelo rosto novamente. Ela tinha chorado o suficiente nos últimos dias. Ela estava ficando cansada daquilo.

Após alguns segundos respirando profundamente, Cassie voltou a olhar para a televisão, onde Sophia, a personagem de Britt Robertson, estava experimentando algumas roupas num brechó. Girlboss não tinha sido a primeira escolha de entretenimento dela para uma noite de vinho e contemplação sobre os fracassos da própria vida, mas a única outra coisa que ela achou interessante na Netflix, uma série espanhola sobre um assalto a banco, a fez chorar em menos de quinze minutos de episódio ao mostrar uma mulher loira descobrindo que estava grávida.

Certamente, o universo estava zombando dela.

Tomando outro gole de vinho, ela observou Sophia encontrar um casaco colorido quando ouviu o interfone do apartamento tocar. Cassie pegou o controle remoto e pausou o episódio antes de se levantar do sofá e caminhar até a porta do apartamento, apertando o botão que destrancava a porta externa do prédio. Pouco tempo depois, ela ouviu uma batida na porta. Quando ela a abriu, encontrou Toto parado na soleira. Ele estava vestindo uma camisa branca e calça social. Ele parecia ter acabado de voltar da fábrica.

— O que você tá fazendo aqui? — Cassie perguntou, baixinho, os olhos na taça que estava nas mãos.

— Vim ver se você ainda tá viva — ele respondeu — Você tá bebendo?

Cassie olhou para o recipiente.

— Sim.

— Você não devia tá bebendo, Cassandra.

— Por que não? — disse ela, tomando mais um gole de vinho — Não é como se eu tivesse grávida mesmo.

Os olhos dele se arregalaram brevemente em choque, mas, então, sua expressão imediatamente suavizou, como se ele não esperasse a notícia.

— Você não tá?

— Não — respondeu ela, olhando-o nos olhos, dando um sorriso dolorido — Não deu certo.

Toto a encarou por alguns segundos, os olhos cheios de tristeza e sua mandíbula apertada de frustração. Vê-lo assim fez o coração de Cassie se partir. Ela tinha decepcionado ele. Ela tinha deixado ele triste.

Ela era um monstro.

Cassie se virou e caminhou lentamente de volta para a sala, em completo silêncio. Ela não convidou Toto para entrar, mas estava implícito — ela ouviu o som da porta se fechando e passos seguindo atrás dela.

— Por que você não me contou?

Ela colocou a taça na mesa de centro e suspirou enquanto se sentava no sofá, tentando conter a furiosa tempestade de emoções dentro dela — frustração, raiva, culpa e tristeza.

— Cassie, eu te mandei inúmeras mensagens — disse Toto, tentando conter a irritação na voz — Te liguei... Não sei quantas vezes. Deixei provavelmente uma dúzia de recados na sua caixa de mensagens. Pedi pra Victoria verificar se você tava indo trabalhar. Eu fiquei passando na área de marketing da fábrica, porque parecia que você tinha sumido!

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