Capítulo 28

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Meses depois...

Caralho...

Olhei o chão sujo com o ovo mexido que acabei de fazer. Sempre esqueço da mão sem utilização, não há força nela, um pedaço inútil de ossos, músculos e pele enrugada. Não havia nenhuma ferida ou machucado visível, tudo cicatrizado. Fechei os olhos e minha mente viajou.

As paredes do hospital ecoaram com os meus gritos, juro que tentei ser forte, mas a dor insuportável. Naquele momento, desejei estar morto. Olhava com ódio para as enfermeiras e médicos somente fazendo o trabalho deles, a retirada da pele necrosada. Haviam queimaduras de todos os graus ao longo do meu corpo, começando na base do pescoço e descendo até os dedos do meu pé.

Lembro-me pouco do que aconteceu naquele incêndio, fragmentos de memória vinham e iam quando meu cérebro não estava inundado com a dor. A cada dia a equipe médica retirava um pouco da pele, como ser esfolado vivo, mesmo tomando remédios fortes para a dor, as drogas não faziam tanto efeito ao longo do tempo. Me perguntava se não estava no inferno às vezes, no mesmo tempo que tentava lembrar o que fiz de errado para merecer tudo aquilo.

Fiquei internado na UTI, no setor de queimados, por vinte longos e sofridos dias. Depois disso, mais dois meses no hospital. Nesse tempo recusei a visita de todos. Não precisava que ninguém me olhasse daquele jeito, ouvisse os meus gritos ou tivesse pena. Me achando um fracassado, um fracote por si só, pela dor que eu sentia.

Você só sabe que não é nada quando, até para limpar a própria bunda, você precisa de ajuda. Como eu iria fazer minha mãe ou Bia passarem por isso? Ainda mais depois que fiquei sabendo por uma das enfermeiras que ela perdeu o nosso bebê. Me tornei um estorvo.

No dia da minha alta sai sem esperar por ninguém. Fui direto para a rodoviária e peguei o primeiro ônibus para uma cidadezinha do interior, a mesma que um colega mudara a pouco. Sabia que os meus bons intencionados parentes estariam em minha casa me aguardando com todo amor, carinho e pena.

A pena é uma merda. Quando voltei da anestesia escutei uma conversa da mãe com algum médico, a frase que disse: "Pobrezinho do meu filhinho", ficou na minha mente, eles conversavam sobre o fim da minha carreira. Salvaram o meu braço, mas teria uma longa estrada pela frente para poder voltar a segurar um copo.

Escutava as enfermeiras dizendo: tão bonito e agora estava assim... Claro que não falava as palavras de verdade, o inútil, queimado, fracassado. O que farei agora que não sou mais nada?

Peguei os produtos de limpeza e comecei a limpar o chão com a mão boa. Precisei me acostumar a usar, só a esquerda, ser canhoto tem uma vantagem nesse caso. A minha porta foi socada, alguém com muita raiva queria chamar a atenção. A dona da casa é uma senhorinha de setenta anos, não teria força para aquilo.

— Porra! Já vai. — Assim que abri a porta não tive nem reação, um soco veio em minha direção fazendo com que eu literalmente voasse e caísse de bunda no chão. 

Sentado no chão, vi o rosto de Ian tomado pela frieza, a mesma que vi em um tribunal, como se eu fosse um inimigo.

. — Então é aqui que você se escondeu? — Ian me perguntou ao entrar na casa.

— Vai embora...

— Pode cortar toda essa merda. — Me interrompeu. Levantei do chão e limpei o meu rosto, o soco me fez cortar o lábio e sangrava. — Vim buscar sua bunda covarde e levar de volta para casa.

— Ian...

— Não, cara. — Ian me olhou com nojo. — Tenho vergonha de dizer que você é meu irmão. Quando éramos pequenos você era meu ídolo, fazia tudo para ser igual a você. — Ian balançou a cabeça em negativa. Lembrei daquele tempo, do garotinho magrela que vivia na minha cola. — Simplesmente fugi do hospital! Liga para mamãe uma ou duas vezes por mês só para dizer que vive?

Meu querido AdmiradorOnde histórias criam vida. Descubra agora