10. liar

142 24 16
                                    

🌼

Se houvesse uma definição para os últimos acontecimentos, certamente seria um conjunto de palavras ruins que Seungcheol não gostaria de mencionar.

Estava se tornando impossível, mas ele se obrigou a suportar, não havia outra saída além dessa. Quando se é um profissional vergonhoso com um currículo vazio e desinteressante ao ponto de ser rejeitado no total de vinte e cinco empresas, as quais Seungcheol enviou na esperança que uma porta de emergência surgisse em sua vida como um milagre que lhe tirasse daquela situação, não havia outra solução senão fingir que está tudo bem e aguentar mais uma vez.

Esses dias Seungcheol tem sido como um copo cheio de água, que facilmente esborra, transborda e se bagunça inteiro. E que gostaria somente de um pouco mais de tempo. Tempo para se concertar, para colocar tudo de volta no lugar.

Ele estava confiante a maior parte do tempo, mas isso mudou de repente e ele não sabia quem era o culpado por isso.

— Appa?

Seungcheol estava tão distraído que não ouviu o barulho dos passinhos da pequena Haneul se aproximando. Ele tirou a luva de lavar louça, rapidamente secando o rosto na camiseta que estava usando para que Haneul não visse o seu estado.

— Oi meu amor, precisa de alguma coisa?

Seungcheol se abaixou na altura da menina, olhando nos pequenos olhos de jabuticaba que ela possuía.

— O seu nariz tá vermelhinho, appa. — ela tocou no nariz de Seungcheol dando um sorrisinho ao apertar ali.

— O papai só deu dois espirros e ficou assim. — ele funga, forçando um sorriso em meio ao cansaço.

— Você prometeu que ia secar meu cabelinho. — a menor balançou o cabelo fazendo algumas gotinhas de água molharem um pouco mais a camiseta de Seungcheol.

Em um dia normal, Seungcheol certamente sorriria daquela cena tão adorável, mas a sua cabeça estava tão bagunçada que não conseguiu se manter sorrindo desta vez.

Haneul pegou na mão de Seungcheol o levando pela escada até o banheiro, onde ele a colocou sentadinha em cima da pia enquanto comia a única balinha coloridas da Haribo que Seungcheol deixou pois o limite de balas dela para aquele dia já tinha estourado.

— Cuidado com os meus nózinhos, appa. — Haneul alertou, ao ver o pai pegar o secador e uma escova para secar os seus fios negros molhados.

O barulho do secador fez com que Seungcheol não precisasse falar, ele estava tão esgotado que não conseguia sequer achar as palavras adequadas para formar uma frase decente. Ele se sentiu mais aliviado por não precisar falar, como ele poderia dar palavras de conforto para Haneul quando ele mesmo não estava se sentindo feliz.

Aquelas frases clichês como "trabalhe duro" não estavam funcionando para ele. Ele estava trabalhando duro, droga! Ele esteve trabalhando duro pelos últimos dias, fazendo mais do que deveria, fazendo mais do que podia aguentar pelo medo irracional e aterrorizante de perder o único emprego que possuía quando nenhum outro lugar o aceitou, se ele perdesse o emprego agora seria uma completa catástrofe. Ele voltaria a estaca zero a qual abominava, voltaria ao mesmo lugar de quando começou, sem nada, sem ninguém. Um pobre coitado sem família, sem ajuda, desprovido de amor e de muitas coisas mais.  Quando ele não era muito diferente de um sem teto. Ele não tinha uma casa, não tinha um emprego, não tinha dinheiro.

Ele não podia voltar a ser aquilo, não de novo.

Ele estava trabalhando duro! Então porque não parecia estar dando certo?!

Seungcheol tinha tanto medo. Medo de não conseguir aguentar aquilo por muito tempo, ele estava assustado por causa daquele dia, ele estava cansado de tantas exigências, cansado cada dia mais.

Sua mente e corpo estavam cansados, de maneira que ele sequer podia explicar.

Ele voltou a si quando percebeu que o cabelo de Haneul já estava totalmente seco.

O barulho do secador parou.

— Me desce, appa. — a menor levantou os bracinhos meio molenga, sem coragem de descer dalí por vontade própria.

Haneul adorava um bom cafuné, desde que era só uma bebezinha chorona a melhor forma de acalmá-la era somente um bom cafuné. Demorou um tempo até que Seungcheol descobrisse essa tática, mas, quando descobriu, usou muito ao seu favor.

Agora ela estava sonolenta só de passar alguns minutos acariciando o seu cabelinho no ventinho morno do secador.

— É hora de dormir, meu amor.

Seungcheol colocou Haneul no chão, que coçava os olhinhos enquanto bocejava um pouco.

— Boa noite, appa. Você é o melhor pai do mundo, eu te amo... — Haneul se agarrou ao pescoço de Seungcheol, depositando um beijinho na bochecha do mais velho. Seungcheol sentiu o seu coração se partindo em pedaços e sendo infiltrado pelas gotinhas de amor que somente Haneul podia lhe oferecer.

O seu céu, o seu lindo e pequeno céu.

— Agora eu vou dormir. — ela de repente se solta dele, saindo pela porta e andando como um zumbi sonolento pelo corredor até chegar no quarto.

Seungcheol a olhou de longe, nas sombras do corredor vazio.

Naquele momento ele se arrependeu amargamente por jamais ter exercido uma profissão útil, por ter desistido da faculdade oito anos atrás quando as coisas se tornaram difíceis. Ele tinha se tornado um homem medíocre contra sua própria vontade, um assalariado que precisa de cada centavo para sobreviver mesmo que isso custe toda sua felicidade, jogando fora sua sanidade, trabalhando como um animal para tentar conseguir algo melhor e não conseguindo no final.

Ele se encostou contra a porta do próprio quarto, fechando os olhos com força deixando as lágrimas silenciosas descerem pelo seu rosto por mais uma vez.

Não tinha sido por ele, nada foi por ele, mas por Haneul. Porque se fosse somente por ele, Seungcheol já teria desistido a muito tempo. Ela era o único motivo dele continuar aguentando, o único motivo dele não ter sucumbido na amargura e no sofrimento depois de oito anos de sua vida sendo desprezado e esquecido. Ela foi a sua luz no fim do túnel quando ele pensou que jamais pudesse ser feliz novamente. Então ele não podia se dar ao luxo de desistir agora, ele não tinha coragem de ser egoísta, porque, diferente de antes, agora ele não estava sozinho. Ele veio suportando situações piores do que aquela pelos últimos oito anos, mais uma não iria fazer diferença, não é?

Algumas palavras não lhe matariam no final, por mais dolorosas e humilhantes que elas fossem.

Ele aguentaria por Haneul mais uma vez, na esperança de que algo ou alguém pudesse trazer de volta a alegria que ele tinha perdido no passado e nunca mais achado.

— Está tudo bem, está tudo bem.

Ele sussurrou, tentando convencer a si mesmo.

Mesmo que estivesse cansado de acreditar nessa mesma mentira que contava sempre.

🌼

Begin again | S.Coups × MingyuOnde histórias criam vida. Descubra agora