GUS (PARTE #3)

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Donário, assim como outras cidades grandes, foi acometida por um misterioso vírus que matava animais e plantas. Com medo de que o vírus pudesse se transmutar e atingir os humanos, foi recomendado aos governos que toda área verde fosse retirada, qualquer planta era considerada uma ameaça e assim, se instaurou um verdadeiro pânico por qualquer florzinha ou plantinha vista. As pessoas por medida de higiene e de contenção do vírus, passaram a trocar plantas reais por plantas artificiais.

_Mãe, para mim, essas novas plantas são tão artificiais quanto essas que você tem aqui.

_Claro que não, Gus. Aquele na Tv era ninguém menos que o presidente da IDMA em pessoa, Valentino Figuerôa, maior defensor da natureza no mundo. Graças a ele, as florestas, que você tanto ama, continuam intactas apesar desse maldito vírus. E ele está dizendo que são plantas de verdade.

_Eu sei quem ele é. Eu acompanho o trabalho dele de perto e o admiro muito, mas acho que tomou a decisão errada ao apoiar essas coisas.

_Ele mesmo disse que as plantas são praticamente as mesmas, porém melhoradas.

_Mãe, como o homem pode melhorar algo que já é perfeito?

_Gus, não começa com essa ideologia barata. A verdade é que estávamos numa encruzilhada, precisamos das plantas, mas, ao mesmo tempo, segundo todas as pesquisas indicavam, elas seriam o nosso fim. A IDMA arrumou um jeito de preservar essas malditas e ao mesmo tempo preservar a raça humana.

_Eles não preservaram, eles a transformaram. Se ninguém vê problema nenhum nisso, por que não modificam os humanos para que sejam imunes a qualquer vírus?

_Você não pode estar falando sério. Os humanos são muito mais complexos. Entre flores e pessoas você prefere as flores?_o pai abominava as idéias de Gus.

_A diferença é que eu não vejo as flores matando ou modificando pessoas.

_É aí que você se engana. Se nada tivesse sido feito veríamos, sim, flores matando pessoas.

_As flores não matariam ninguém, elas são apenas as portadoras de um vírus que poderia vir a matar, um dia, quem sabe, os humanos.

_Você, rapazinho, é um cabeça dura.

_Nunca pensei que a IDMA apoiaria uma pesquisa nesse sentido.

_Porque você não tem visão do futuro, muito menos noção do mal que aquela coisa nos faz.

_Aquela coisa nunca me fez mal algum e ela vai continuar onde sempre esteve. E, por favor, não inventem de trazer aquela aberração para dentro de casa.

_Claro, senhor. Sim, senhor. Algo mais?

_Não, pai, obrigado por me chamar._Gus voltou para o quarto e fechou a porta atrás de si.

_ Perigosa, você?_falou alto acariciando sua querida e inofensiva planta.

Dois anos se passaram, mas as coisas continuavam praticamente iguais. A única diferença era que Gus já não era um menino pequeno e magrinho, mas um rapaz grande e forte. Havia crescido e superava seu pai em altura. Faixa preta em judô, torcedor "fanático" do Donário, paciente assíduo de seu psicólogo, aprendiz de guitarra e o melhor amigo de uma planta, um típico adolescente.

A família perfeita jantava tranquila quando foi interrompida pelo telefone. O pai se levantou para atender.

_Quantas vezes te falei pra não ligar pra minha casa?! Como você conseguiu esse número?_mãe e filho notaram que o pai estava alterado e prestes a ter um piripaque.

_Não me importa o que aconteceu, eu não quero saber, agora vou ter que mudar a linha de novo, não é?_Renata e Gus também puderam notar a mudança de raiva para espanto na cara de Paulo quando o telefone caiu no chão e logo em seguida, o corpo. Os dois correram para socorrê-lo.

_Pai, você tá bem?

_Que houve, Paulo?

Paulo tinha as duas mãos cobrindo a cara quando respondeu:

_Minha mãe_e apenas isso pôde pronunciar, seu estado era lamentável.

Gus olhou o pai e sentiu pena, parecia um menino prestes a chorar. Já ia perguntar que tinha sua mãe, quando percebeu que alguém ainda estava na linha:_Alô, Alô? Paulinho? Alô? Tem alguém ai?_o menino pegou o telefone e o levou até seu ouvido:

_Alô?

_Paulinho? Quem está falando?

_Gus.

A voz do outro lado se calou por uns segundos e quando ecoou novamente se notava o nervosismo:

_Gus? Meu...meu neto? Gus?

Gus ficou sem palavras, pela primeira vez em 16 anos falava com seu avô, seu querido avô, aquele que lhe havia dado o melhor presente de todos sem nem ao menos conhecê-lo.

_Você está ai? Gus?

_Estou aqui. Meu pai não pode falar agora...

_Entendo... diga pra ele que sinto muito.

_Sente pelo que? O que houve com a minha avó?

_Ela faleceu... ela ..._Gus notou que, assim como seu pai, o avô tampouco poderia falar mais.

_Eu sinto muito, de verdade, não se preocupe, nós iremos assim que pudermos.

_De verdade?_Arthur parecia não acreditar e sentia-se mal por ficar um pouco alegre em um momento tão triste, mas não podia evitar.

_Eu prometo, vô. Agora tenho que desligar, meu pai precisa de mim.

_Claro, eu... obrigado.

Gus desligou o telefone e olhou para o pai, mas, ao invés de tristeza, Gus sentiu alegria. Aquela era a ocasião perfeita para sair de Donário.

Arthur seguia com o telefone em suas mãos: "ele me chamou de vô...nosso neto...se você estivesse aqui Martha, eu seria o homem mais feliz do mundo". Arthur se sentia péssimo...se sentia feliz...tudo que Martha mais queria era conhecer o neto, e, agora, justo agora... Se sentiu culpado, era sua culpa, Martha morreu sem conhecer o neto e a culpa era dele.



A PROFECIA DOS TRÊSOnde histórias criam vida. Descubra agora