HOMEM-PLANTA

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Gus estava totalmente envolvido pela escuridão, não havia sequer a luz da lua para abrandar o completo breu, já que as montanhas bloqueavam a entrada dos raios no caminho estreito. Mas felizmente, ele não precisava enxergar para se locomover. As plantas o guiavam com precisão e ao chegar no final do corredor já pôde sentir o frescor da floresta em sua cara e a luz da lua clareando sua visão. Gus nunca havia visto a floresta assim, as estrelas e a lua pintavam o lugar com cores amenas proporcionando-lhe um brilho suave. A floresta parecia coberta por um véu cetinoso, toda intensidade tinha desaparecido. A visão noturna do lugar o havia deixado impactado, mas não era hora de admirar, ele tinha uma sombra que encontrar. Fechou os olhos para "ver" melhor e foi indagando o caminho. As plantas o guiaram sem hesitar. Andou por cerca de meia hora e se sentiu aliviado por ir na direção contrária ao rio. Não sentia medo, estava compenetrado e com a ajuda de suas amigas sabia que jamais seria surpreendido outra vez.

Quando chegou perto de uma fileira de árvores finas, pôde sentir a mudança nas plantas, elas já não respondiam tão rápido e o garoto resolveu diminuir o ritmo. À medida que ia avançando, as plantas iam aumentando o sinal de alerta, mas foi só quando chegou em um enorme arbusto, que o alerta emitido o fez parar de tão forte. Estava oculto atrás de folhas densas e escuras. Gus buscou pelo vulto misterioso, mas via muito pouco, seus olhos não podiam ajudar. Se concentrou nas plantas e de imediato elas lhe indicaram aonde estava aquilo que procurava, mas para a surpresa do menino, o que sentiu ali não foi uma pessoa, senão duas.

A vontade de se aproximar cresceu. O arbusto, sentindo sua intenção, lhe enviou um sinal bem claro: PERIGO. Mas a curiosidade em Gus era tanta que ele resolveu se arriscar: deitou-se no chão e bem devagar se arrastou em direção ao dueto de sombras. Se posicionou há poucos metros do local, sua visão não era boa, estava escuro. Podia distinguir algumas palavras, mas não conseguia acompanhar a conversa. A distância e os pesados alertas emitidos pela vegetação dificultavam seu entendimento.

_Você precisa me mandar mais homens, está difícil entrar, essa é diferente.

_Você sabe que não é uma tarefa fácil. De quantos você precisa?_Gus percebeu que este era o homem que vira momentos atrás se esgueirando pelo Povo Alto.

_Uns trinta, muito bem equipados. Nunca tinha visto uma floresta assim, parece mal assombrada, sem falar na geografia que não nos permite avançar._O outro homem usava um enorme chapéu de caubói e estava de costas para Gus, ele insistia em obter ajuda._Não temos meios de avançar bem com os já capturados, vocês precisam achar uma solução para o transporte.

_Trinta é muito perigoso...vou consultar com o chefe.

_Assim vai demorar muito!_esbravejou o de chapéu._Preciso de reforços imediatos, está muito complicado trabalhar assim.

_Que é isso, homem? Eu preciso de você, não pode me falhar! Já falta pouco pro projeto..._os dois homens começaram a falar mais baixo e Gus já não podia escutar.

O garoto tentou chegar mais perto e seu joelho, num movimento de azar, amassou um pequeno graveto. Alarmados com o ruído, os dois homens começaram a buscar ao redor. Gus estava perto demais para fazer qualquer movimentação de escape. Ele viu quando o homem de chapéu começou a ir em sua direção. O medo invadiu todo seu corpo, algo lhe dizia que aquele homem era perigoso, mas antes que o medo o dominasse, se lembrou do enorme gorila e fechou os olhos: Gus tentava fazer o clima ficar mais pesado e junto com as plantas passou a emitir o sinal: PERIGO. A vegetação começou a se fechar se tornando mais densa, mais pesada, a escuridão parecia aumentar, mas diferentemente do gorila, o homem de chapéu não notou as pequenas alterações do ambiente e continuou avançando. Gus sentia fortes pontadas por todo seu corpo, as plantas o avisavam do perigo eminente. Sem pensar muito, resolveu abortar o plano e abrir os olhos, o chapéu chegava cada vez mais perto. Era hora de tomar uma medida desesperada: Gus se levantou com um pulo e correu sem olhar para trás. Ele podia escutar alguém correndo detrás de si, seguindo seu ritmo, o barulho ficava cada vez mais próximo, as pontadas cada vez mais fortes, ele sabia que estava por um triz. Gus estava desesperado, corria o mais rápido que podia, se sentia uma presa fugindo do seu caçador. Ele sabia que a perseguição não duraria muito mais tempo. Gus fechou os olhos, já não podia pensar, estava completamente dominado pela vontade de escapar, tudo que podia fazer era correr e correr.

_Agora eu te pego!_O homem gritou no cangote de Gus, mas para sua surpresa, quando estendeu a mão, não agarrou um braço e sim um pedaço de madeira. Um intrometido galho havia se interposto no caminho.

Gus seguia correndo como louco e não viu quando uma incrível "chuva de folhas" começou a cair detrás de si. O homem de chapéu era atingido pelas folhas que caiam aos montes atrapalhando sua visão, mas mesmo assim continuava no encalço de Gus. As plantas se inquietaram, os galhos começaram a descer em sua direção, os ramos iam se fechando na sua frente, já não conseguia correr e mal avistava sua presa.

_O que está acontecendo aqui?!_o grito do homem de chapéu foi a última coisa que Gus escutou antes de se jogar no chão, alguém estava atirando.

Seu coração queria sair pela boca, Gus se arrastava pelo chão quando olhou para trás e viu com enorme surpresa a floresta se mexer. Ele não podia parar para assistir, os tiros seguiam sendo disparados em sua direção e foi só quando chegou em casa que se deu conta do que havia passado:

_Eu posso movê-las!_o menino se jogou no chão rindo com a mistura de felicidade e nervosismo. Estava tão exausto que acabou dormindo ali mesmo.

De manhã ao se levantar, Arhur se deparou com o neto no piso da sala.

_Gus? Você está bem? Por que está todo arranhado? Por que tá dormindo no chão?_ A resposta que obteve foi um longo sorriso.

_E por que está tão feliz?

_Vô, você não vai acreditar!

_Lá vem...

O menino relatou os fatos com precisão, contou do vulto, da conversa, da perseguição, dos tiros...

_Tiros na floresta? Atiraram em você? Que tipo de pessoa anda armada e ainda por cima atira em uma criança? Você está bem? Te acertaram?

_Não foi só isso, vô.

_Ai, meu coração._Arthur levava a mão ao peito.

_Eu to bem. Não me acertaram. Eu consegui fugir, mas não foi graças a minha incrível velocidade. Foi por causa das plantas. Eu não sei como, mas as árvores começaram a se mover, as folhas caíam aos montes, elas bloquearam a passagem de quem estava atrás de mim.

_Elas se moveram?

_Estou quase seguro de que eu as fiz mover.

_Como?

_Eu não sei!_Gus estava eufórico.

_O que você sentia nessa hora?

_Nada!

_Medo? Desespero? Adrenalina?

_Pode ser, vô. A verdade é que aconteceu tudo muito rápido.

_Deve ser a adrenalina, você sentiu adrenalina e elas sentiram o mesmo e isso as fez mexer.

_Pode ser...

_Que maravilha! Você tem que praticar para poder controlar isso!

_E os homens? Quem podiam ser?

_Você conseguiu ver seus rostos?

_Não. Nada.

_Muito estranha essa história. Ninguém aqui do Povo das Florestas se atreveria a entrar na Alta pela noite, a não ser...

_Quem?

_A Malu. Talvez ela saiba de algo.

_Mais ninguém, vô?

_Tem os caras da IDMA, as vezes eles entram na floresta para realizar testes, mas não acredito que tenham ido de noite, eles sabem do perigo que é adentrar a Alta sem a luz do sol.

_Pois eu acho que essa menina sabe de alguma coisa, você tinha que ver a raiva dela quando me encontrou na floresta e depois não queria me responder nada, só queria me tirar dali.

_Pois então, de aí começaremos: Malu


A PROFECIA DOS TRÊSOnde histórias criam vida. Descubra agora