IDMA

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Como de costume, Malu se levantou antes do sol. Gus percebeu a movimentação da amiga e, temendo uma fuga, foi ao seu encalço.

– Bom dia, moça. Aonde vai?

– Fazer a ronda. Por que o interesse?

– Posso ir com você?

Juntos, percorreram todo o entorno da cabana. Tudo estava na mais tranquila paz. Malu continuava sem sentir os animais presos, assim como Gus, que também não podia localizar os caçadores. Aproveitando o momento a sós, o menino quis saber mais de Malu:

– Não sabia que você e o Danilo foram amigos um dia.

– Quando a gente é criança, não vemos o mal em nada nem em ninguém. Depois, crescemos e enxergamos além dos sorrisos soltos e palavras vazias.

– Nossa Malu, você fala como se ele fosse um monstro.

– Monstro não, humano. E os humanos são egoístas e falsos.

Gus pensou na história que Danilo lhe havia contado. Será que Malu se referia à indiferença de Samara pela morte da mãe? Tentaria descobrir:

– E a sua irmã?

– O que tem ela?

– Pelo que ele falou, vocês também eram bem próximas, o que aconteceu?

– Nós crescemos. Ela percebeu como eu era esquisita, e eu percebi como pensávamos diferente.

– Mas é sua irmã....

– Nascemos dos mesmos pais, isso é só o que temos em comum. – Respondeu Malu, de má vontade.

– Você está exagerando...

– Ela morria de medo de insetos, eu os tratava como irmãos. Ela matava as formigas que encontrava pelo caminho por puro...bem, até hoje não sei o porquê, eu implorava para não fazer, mas ela continuava com aquela carnificina. A dor que eu sentia era visível, mas ela nunca se importou. – Malu começou a andar mais rápido – Ela ama o espelho, eu amo o espelhado...

– Mesmo assim, ela continua sendo sua irmã. Você deveria tentar...

– Por que tanto interesse nesse assunto? – Interrompeu Malu.

– Me desculpa, não queria me intrometer.

– Então, para de me interrogar e trata de se concentrar em achar as frutas.

Quando voltaram, Danilo ainda dormia na cabana. Do lado de fora, também sonhando, estavam Záion, Ully e Jalí. Mas já era hora de partir e Gus foi despertar o amigo enquanto Malu se despedia dos outros três.

– Vamos acordar, dorminhocos! – Malu se dirigiu a cada um deles. Ully foi a primeira a se aproximar. "Ully, eu vou embora, mas não demoro. Preciso que fique aqui me esperando, há muitas armadilhas espalhadas por aí." Depois, Malu foi até Jalí. "Jalí, não quero que você vá atrás da bebê, me espera, por favor. Iremos juntos." E então, foi a vez de Záion. "Zá, fica de olho neles, eu confio em você, se algum deles fizer algo estúpido, sabe onde me encontrar, vá voando me chamar, por favor."

Danilo e Gus já estavam prontos e chamaram a menina para partir. Malu deu as costas para a cabana e se dirigiu ao Caminho Estreito na companhia dos outros dois.Toda segurança que sentia antes se esfumaçara com a despedida, tudo dentro dela dizia para ficar. Mas a menina, pela primeira vez na vida, ignorou seus instintos e tratou de agir com a cabeça.

Chegaram ao Povo Alto antes mesmo do galo cantar. Decidiram descansar para mais tarde se reunirem na casa de Gus. Danilo estava tão eufórico por chegar, que só se lembrou de avisar Malu quando já estava praticamente dentro de casa:

– Não se esquece, se alguém perguntar, diga que a espécie nova fugiu! – gritou Danilo.

– Como assim? – Perguntou Malu, confusa. Danilo, porém, estava muito longe para escutar e Gus já havia entrado em casa.

Foi recebida efusivamente pelo pai. Ele perguntava todo o tempo como havia sido e se ela finalmente tinha conseguido capturar o animal. A menina o olhava confusa, tentando entender do que ele falava. Quando Samara chegou na sala, não perdeu tempo e também começou a pressioná-la.

– Então irmãzinha, vamos sair nos jornais? Ficou famosa mundialmente pela sua descoberta?

Malu não fazia ideia do que estavam falando e tentava mudar de assunto sempre que questionada, mas os dois estavam interessados demais para desistir.

– Não vai nos contar nada, Malu? – insistia Samara.

– Eu... – Malu se lembrou das palavras de Danilo e as repetiu mecanicamente – A espécie nova fugiu.

Inacreditavelmente, as palavras haviam funcionado. Malu não sabia o que havia dito, mas definitivamente, tinha conseguido escapar da situação.

– Oh minha filha, que pena, sinto muito. Sei o quanto você estava empenhada. Mas o importante é que voltou sã e salva, estou muito feliz que esteja em casa. Aquela floresta não é um bom lugar.

– Pai, não começa. Não quero brigar – Pediu Malu.

– Você deveria proibi-la de ir lá, pai. – Samara odiava a Alta.

Malu odiava chegar.

– Minha filha... – Vikingo espremia a garota entre seus enormes braços – Que bom que está aqui.

– Você mima muito essa daí. Se fosse minha filha, eu estaria arrancando suas orelhas.

– Chega, Samara. Já aconteceu, ela está aqui e não vai mais voltar, não é? Aquele lugar é perigoso, não quero te perder, Malu.

– Pai, já falamos mil vezes sobre isso. Eu sei me cuidar.

– Você devia levá-la para um internato, isso sim. – sugeriu Samara.

– Não, ela vai me obedecer, eu sei que vai. – O pai lhe sorria gentilmente.

Malu sentia a falta da mãe, sentia falta de estar em casa, mal havia saído da floresta e já queria voltar. Precisava sair dali, a pouca paciência que tinha não era suficiente para escutar as provocações da irmã por mais de cinco minutos. No entanto, a garota já estava acostumada: saia bem cedo para não encontrar ninguém e ia direto para a floresta. Depois, passava pela escola, onde afastava qualquer um que ousasse se aproximar. O contato com Samara era mínimo, Malu a evitava vinte quatro horas por dia. Quando terminava a aula, voltava para a floresta e almoçava na companhia de sua verdadeira família. Só se dirigia à "casa", quando começava a anoitecer. Encontrava o pai sempre cansado e com sono, ficava por perto até ele dormir, depois se trancava no quarto sozinha. Às vezes, escapulia pela janela em direção a floresta, outras, caía no sono para se encontrar com a mãe. Arrumar uma desculpa para sair de "casa" era um grande desafio, mas ela sempre dava um jeito de conseguir:

– Estou com vontade de comer um doce, faz tempo que não como um chocolate. – Mentiu Malu.

– Pois, pode esquecer. Papai e eu estamos de dieta. Não vai encontrar nada com açúcar nesta casa – Avisou Samara.

– Oh, que pena. Eu realmente preciso de um chocolate. Acho que vou ao mercado comprar, mas não se preocupem, vou comer bem longe daqui. Não quero atrapalhar a dieta de vocês. – Malu, como sempre, não esperou pela resposta e correu para longe.

A biblioteca da Vila da Única Floresta, a única biblioteca do Povo das Florestas, foi seu destino. Reuniu todos livros que pôde...saiu de lá com dois exemplares debaixo do braço. A falta de material, no entanto, não seria um problema, ela estava prestes a descobrir que a maior fonte de informações sobre tudo o que buscava morava justo ao lado.

Arthur viu a bicicleta parar na frente de sua porta e saiu para ajudar. Malu tinha dois livros grossos e três revistas velhas para descarregar.

– Quanto tempo esperei por esse dia. – falou o velho recebendo a menina, o segundo dom.

A PROFECIA DOS TRÊSOnde histórias criam vida. Descubra agora