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OS GAROTOS NÃO ESTAVAM EM CASA QUANDO CHEGUEI, o que foi bom. Que aproveitassem uma última noite naquele animado campus litorâneo. Fui para o quarto. Corri os olhos pelo ambiente e cheguei à conclusão de que não havia muita coisa ali que pudesse considerar meu. Na verdade, nunca havia.

Guardei as cadernetas no baú e lembrei que ainda faltava uma pessoa para completar a lista de passageiros do Arcatia. Jamais me esquecera de alguém no meio de uma pesquisa antes. Às vezes, parava de procurar quando ficava óbvio que não havia nada para encontrar, mas nunca algo assim. Hyunjin me fez esquecer quem eu era por um breve momento, tocou minha pele como se eu fosse humano, falou comigo como se eu fosse normal.

Como era mágico ser apenas um garoto comum.
Havia algumas peças de roupa de que eu gostava, e uma escova de cabelo de madeira muito boa que encontrei numa feira de antiguidades certa vez. Eu tinha o grampo enferrujado que estava no meu cabelo quando fui transformado; guardei porque imaginei que era do mesmo tipo que a minha mãe usava. Era o único vínculo com ela que ainda me restava. Havia um punhado de quinquilharias, mas o baú estava leve quando o empurrei até a porta da frente.

Os garotos o veriam quando entrassem. E entenderiam.

Fui para os fundos e me sentei no píer flutuante. Encarei a Água, mas não falei nada. Eu podia ouvi-La, contudo, saltando na praia e envolvendo as vigas de madeira. Eu A amava tanto. Ela era a minha casa, o lugar onde podíamos nos esconder quando guerras estouravam ou quando qualquer um nos olhava com desconfiança. Ela era vida, nossa provedora, a provedora de todos. Mas agora não podia evitar o ressentimento. Ela também era a fonte de toda a minha culpa, de todos os meus sonhos frustrados.

Eu tinha tantas perguntas para Ela. Mas não naquela noite.

Ouvi o rangido familiar da porta da frente e voltei para dentro. Minho e Jeongin estavam calados, com os olhos fixos no meu baú. Jeongin parecia à beira de lágrimas, e Minho girava zangado a sandália de tiras na ponta dos dedos.

— Por quê? — Jeongin perguntou enquanto eu fechava a porta de correr.

— Preciso ir — meu tom era quase de vergonha, acanhado pela minha fraqueza.

Minha soltou as sandálias.

— Bom, eu não preciso. Nem Jeongin. Não queremos ir.

Evitei o olhar fulminante dele.

— Entendo, mas não posso mais ficar aqui.

— Você sempre quer viver em algum lugar grande, para que a gente possa ficar no anonimato! E depois você nem tenta se misturar. Estamos felizes aqui!

Ergui os olhos para Minho e a tensão no queixo dela confirmou o que eu já suspeitava.

Respirei fundo e me forcei a falar sem fraquejar:

— Por mim, tudo bem ir sozinho. Talvez vocês dois fiquem melhor sem mim. Changbin se dá bem com o isolamento absoluto, talvez eu me dê também. Ou talvez eu me sinta completamente infeliz sem vocês. — Dei de ombros. — Não sei ao certo. Mas se vocês quiserem ficar, vou entender. Vou levar o baú para o carro, esperar meia hora e, se aparecerem lá, vou ficar feliz de ter a companhia de vocês. Se não, nos vemos quando formos cantar.

Peguei minhas coisas, tirei a chave da bolsa e passei por eles. Assim que sentei no banco do motorista, peguei o celular para ver que horas eram e calcular o tempo que tinha prometido. Deparei com duas mensagens não lidas.

Ambas eram de Hyunjin. A primeira era óbvia.

Ei, para onde você fugiu? Está tudo bem?

Em seguida:

A Sereia - hyunlixOnde histórias criam vida. Descubra agora