O ANO-NOVO CHEGOU E FOI EMBORA, como todos os anteriores, e nenhum navio afundou. Veio fevereiro, e nenhum tsunami varreu ninguém para o mar. Março passou, e não houve enchentes. Quando entramos em abril, a inevitabilidade de termos que cantar de novo se tornou cada vez mais real, e uma melancolia familiar tomou conta de mim. A Água podia aguentar no máximo um ano entre dois naufrágios. A fome dEla crescia a cada lua cheia, e naquele momento já estava quase completando um ano.
Comprei uma nova caderneta e me preparei. Ouvia a fome da Água em cada onda que quebrava, em cada toque na areia. Era como uma dor minha, o que fazia sentido, já que Ela estava mesmo dentro de mim. Mas a ânsia de aliviar minha dor não tornava o próximo canto mais desejável.
— Para onde você quer ir, Minho? Faz tempo que você não escolhe — Jeongin sugeriu. Fui fiel à minha palavra, e daquela vez iríamos planejar juntos antes de encontrar uma casa nova.
— Eu voltaria para Miami, mas acredito que esteja fora de questão — ela respondeu, me encarando.
Era primavera, então Hyunjin já estaria de volta às aulas. Eu podia esconder o cabelo debaixo de um chapéu e comprar uma calça jeans. Se me mantivesse longe o suficiente, ele jamais notaria. Mas como ia me manter longe?— Acho que não é uma boa ideia — comentei enquanto desenhava círculos no bloco de papel que usávamos de rascunho para nossas ideias. Não fui sequer capaz de escrever o nome da cidade.
— O que tem em Miami? — Han quis saber.
— Praias — respondi rápido. — E você? Se pudesse ir para algum lugar do mundo, qual seria?
— Nova York! Quero ver a estátua — Han respondeu com um braço erguido.
— A Estátua da Liberdade? — perguntei.
— Sim! Sempre quis ver! — ele confirmou, com os olhos arregalados e a cabeça inclinada para trás como se já pudesse visualizá-la. — Quando eu era pequeno, disse ao meu pai uma vez que queria ir até lá para ver a estátua verde. Ele me deu um tapa e disse que tudo o que eu veria na vida era o interior da casa do meu senhor, porque era só para isso que eu servia.
Quando terminou de falar, Jisung se conteve por uns segundos antes de fechar a cara e as lágrimas aparecerem.
Tive a sensação de que quando Jisung recordava os abusos, não era uma única lembrança que preenchia sua cabeça, mas dezenas e dezenas que se amontoavam até o garoto arrebentar sob o peso das memórias. Era problemático para dizer o mínimo.
— Vocês disseram que eu ia esquecer. Por que ainda está aqui? — Jisung perguntou, revoltado.
— Isso vai passar — Jeongin prometeu, abraçando a nova irmã. — Mas se você se apegar, pode durar mais do que você quer. Você precisa se libertar.
Apontei apara Minho.
— É por isso que ele lembra de mais coisas do que nós. E Changbin também guardava muitas coisas.
— Sério? — Jeongin perguntou.
— Sim. Não comentava a maior parte, mas grandes pedaços do passado dele permaneceram — respondi, para em seguida pôr a mão sobre a de Jisung. — Entendemos que o abuso do seu pai foi uma parte grande da sua vida. É por isso que está impregnado em você desse jeito tão terrível. Mas vai ser mais fácil se você parar de dar importância a ele.
— Você acha que quero que ele tenha importância? — Han gritou, se desvencilhando de nós com tanta força que derrubou a cadeira. Em seguida, ele nos encarou por um instante antes de nos dar as costas. — Aqui estou eu, lindo, imortal… e só consigo pensar que ele vai se safar do meu assassinato.
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A Sereia - hyunlix
FanfictionAnos atrás, Lee Felix foi salvo de um naufrágio pela própria Água. Para pagar sua dívida, o garoto se tornou uma sereia e, durante cem anos, vai precisar usar sua voz para atrair pessoas até o mar e afogá-las. Lee Felix está decidido a cumprir sua s...