Epílogo

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OS MÉDICOS DISSERAM QUE FOI UM MILAGRE. Dia após dia, a doença de Akinli deixava seu corpo. Cedia lugar a um entusiasmo pela vida e a um desejo de recuperar o tempo perdido.
Ainda que ninguém tivesse feito meu diagnóstico, eu sabia que estava me recuperando de alguma coisa também. Meu caminho até a cura era mais curto do que o dele, mas não menos fascinante.
Akinli se tornou a única história que eu tinha. Ele me contou que uma vez dançamos embaixo de uma árvore enquanto os outros assistiam com inveja. Me contou uma história impressionante sobre um vestido lindo que eu tinha e que se desmanchou em pó no quarto de hóspedes, deixando uma mancha branca no assoalho. E me contou sobre nosso primeiro beijo, que foi lindo e desastroso ao mesmo tempo, e como todos os outros depois desse tinham a mesma magia estranha.
Eu ouvia tudo, gravando as palavras no coração. Por mais que repassasse as histórias, nunca entendi como nossos caminhos haviam se cruzado daquele jeito. Só podia concluir que era o destino.
Assim que nos recuperamos dos acontecimentos daquela noite, Julie encontrou uma mala na varanda, que supomos ter sido deixada pelas mesmas três garotas que me levaram até lá. Só me deixaram dois bens materiais. O primeiro era uma pilha de dinheiro que entreguei de imediato a Ben e Julie como compensação por terem me acolhido. A maior parte serviu para pagar as despesas médicas de Akinli, o que não era problema para mim. Não conhecia nenhuma expressão mais forte que “alma gêmea”, que desse a entender a sensação de estar tão unido a alguém que é difícil dizer onde termina essa pessoa e onde você começa. Se essa expressão existisse, pertencia a Akinli e a mim.
O segundo item que me deixaram era uma garrafa de água. Era uma água tão exótica, de um azul escuro e brilhante ao mesmo tempo, espessa demais para ser transparente, mas translúcida mesmo assim. Não importava a estação, estava sempre fria, e havia pequenas conchas dentro que nunca ficavam no fundo da garrafa.
Às vezes eu dormia com a garrafa, embora ela fosse fria o suficiente para me acordar se encostasse nela sem querer. Era a única pista que eu tinha sobre a minha identidade antes da noite em que fui deixada na varanda daquela casa, e amava a garrafa só um pouquinho menos do que amava Akinli.
Por algum motivo, sabia que esse amor era importante, como se cuidar daquela água com carinho significasse cuidar de mim mesma. E foi o que fiz. Amava meu corpo em recuperação. Amava minha alma gêmea de olhos azuis. E amava minha família adotiva.
Apertei a garrafa de água contra o peito e amei a sensação.

A Sereia - hyunlixOnde histórias criam vida. Descubra agora