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OS PINCÉIS DE JEONGIN ESTAVAM ESPALHADOS PELO CHÃO. Havia dias que pintava sem parar.

— Este está lindo — comentei na esperança de que a frase fosse conversa suficiente para eu passar o resto do dia sem os olhos preocupados dos meus irmãos em cima de mim quando eles achavam que eu não estava vendo.

— Obrigado. Você achou os outros um pouco mais crus, então?

Fiz que sim com a cabeça.

— Gosto dos seus quadros mais agressivos — Minho disse. — Acho que as pessoas ririam se soubessem que uma coisa tão ameaçadora veio de um garoto de dezesseis anos.

— Ou de oitenta e quatro. Mesmo assim…

Os dois riram, mas não achei nada daquilo engraçado.

— Posso fazer arte também? — Jisung perguntou de maneira doce. Era possível ver a tensão nos olhos dele. Ele ainda não estava livre das preocupações, mas tentava lidar com elas de todas as formas possíveis. Ele era mais forte do que eu, e a admirei por isso.

— Eu também! — Minho disse pegando uma pilha de papéis.

— Claro! — Jeongin respondeu, prendendo o cabelo num coque com um lápis de cor. — Sejam poderosos, sejam destemidos. Criem algo de que as pessoas não consigam tirar os olhos.

— Acho que não consigo recriar a mim mesmo — Minho soltou, subindo e descendo as sobrancelhas.

— E quem poderia?

Abri um sorriso minúsculo e sem brilho para eles. Lembrei que tinha pensado em viver em função de Hyunjin em Port Clyde. Comecei a imaginar se seria capaz de viver pelos meus irmãos. Afinal, eles eram tudo o que me restava no mundo. Mas não conseguia reunir disposição para isso.

Fiquei olhando para as linhas entre as tábuas do assoalho. Jeongin se aproximou e pôs papel e lápis de carvão na minha frente. Nossos olhos se encontraram. Ele apenas deu de ombros.

— Eu também sofro. Não tanto quanto você, sei disso. Mas isso me ajuda. Talvez… talvez…

Apoiei a mão sobre a dele.

— Obrigado.

Ele voltou à tela, determinada a terminar uma série. Não me preocupava mais em ter uma casa ou roupas novas, mas Minho e Jeongin sim. Eu sabia que os dois se sentiam responsáveis por Jisung, e agora por mim também. Por enquanto, eu toparia tudo que eles quisessem, desejando ficar sozinho ao mesmo tempo que torcia para eles não me expulsarem do grupo por ser tão infeliz.

Se dependesse de mim, talvez eu tentasse voltar ao Maine. Ainda não era forte o suficiente para manter distância por conta própria. E eu tinha medo. Se cometesse um erro, Hyunjin morreria. E havia um pedacinho do meu coração preocupado com a possibilidade de a Água se livrar dele por prevenção, ou por qualquer motivo que Ela julgasse plausível.

Peguei o papel e comecei a rabiscar. Nada. Páginas de círculos e zigue-zagues. Mas numa página uma curva se tornou o perfil da bochecha de Hyunjin, e os círculos eram da forma exata dos olhos dele.

Eu não era artista, mas guardei cada detalhe de Hyunjin na memória, e o derramei na página, inconscientemente. De fato, fiquei admirado com o que minhas mãos foram capazes de fazer. Podiam se lembrar da textura do cabelo dele, do leve pontilhado da barba ao fim do dia, da curva cálida do seu queixo. Minhas mãos recriaram tudo belamente em preto e branco.

Que saudade eu sentia daquele rosto. O que eu não daria para vê-lo se iluminar de surpresa ou conspirar comigo com uma piscadela? Aquele rosto que rapidamente se tornou o símbolo de conforto no meu mundo.

A Sereia - hyunlixOnde histórias criam vida. Descubra agora