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JULIA HAVIA COLOCADO UMA CALÇA JEANS, uma camiseta e um cardigã para mim. Enquanto enxaguava a boca no banheiro, fiquei de frente para o espelho e me dei uma boa olhada. Meu cabelo tinha aquele leve ondulado da praia que alguns garotos tentavam fazer de maneira artificial; meus olhos eram brilhantes e cheios de expectativa. A condição de sereia parecia acentuar nossos melhores traços, mas naquele dia me achei naturalmente bonito. Me sentia jovem e maravilhosamente normal.

Desci a escada aos pulos e dei com Hyunjin sentado diante da TV, pronto para sair, vestindo calça jeans e camiseta de algodão. Notei que ele tinha se barbeado e prendido o cabelo num pequeno coque no topo da cabeça.

— Muito bem. Quer sair um pouco? Estou com a caminhonete — ele anunciou balançando as chaves.

Concordei entusiasmado. Não eram nem nove da manhã. Tínhamos o dia inteiro para nos divertir.

— Ainda não sabemos a causa ao certo — um âncora comentava na TV. — Podemos estar diante de um novo Triângulo das Bermudas.

Não consegui desviar os olhos das imagens dos escombros, das cadeiras de praia e das flores flutuando no mar.

— As equipes de resgate ainda têm esperança de encontrar sobreviventes, mas até o momento, não há ninguém para dar qualquer informação sobre o que aconteceu. De acordo com relatos, o navio se desviou do curso e percorreu vários quilômetros em linha reta até o local do acidente antes de tombar de repente. O tempo estava limpo e não há registros de pedidos de ajuda vindos do capitão ou dos tripulantes, então o naufrágio é realmente um mistério. Recebemos notícias de que alguns familiares estão publicando na internet fotos dos passageiros desaparecidos, mas com certeza a história mais comovente é a de Karen e Michael Samuels, que tinham acabado de se casar. Lamentamos a morte deles e de suas famílias e amigos, todos vítimas do naufrágio.

Arranquei o controle remoto da mão de Hyunjin e comecei a apertar os botões na tentativa de parar aquilo.

— Ei, ei, ei — ele disse, segurando minhas mãos. Segurei firme o controle enquanto ele virava para a TV e a desligava.

Minha respiração estava irregular. Normalmente eu teria achado aquela informação útil, algo que eu poderia escrever na minha caderneta. Mas era demais ver uma fotografia de Karen e Michael se beijando com os amigos comemorando ao fundo, vidas perdidas porque queriam estar ao lado do casal.

— Você está bem?

Engoli em seco.

Hyunjin me encarou. Meus olhos permaneciam fixos no aparelho desligado.

— Às vezes também acho difícil assistir ao noticiário. Há muito mal no mundo.

Fiz que sim.

— Mas quer saber de uma coisa? Isso nem aconteceu hoje. Aconteceu ontem. E hoje vai ser o melhor dia de todos, lembra?

Deixei a tensão abandonar meu corpo. O controle remoto saiu da minha mão e passou para a de Hyunjin. Ele tinha razão. Tinha apenas um dia, e eu jamais o teria de novo. Precisava afastar a tristeza ao menos uma vez. Não podia mudar o que tinha acontecido, mas podia escolher aproveitar aquele dia.

Fiz o sinal de “obrigado”.

— Hum, de nada? — ele chutou.

Eu sorri, assentindo, grato pela presença dele.

— Vamos, rei do baile de formatura. Você não pode ter o melhor dia de todos os tempos se não entrar na melhor caminhonete de todos os tempos.

Sempre cavalheiro, ele me acompanhou até o lado do passageiro e abriu a porta para mim. No sul, abril era sinônimo de “preparem-se para usar
shorts”, mas no Maine o inverno ainda pairava no ar. Uma fresta na janela nos proporcionava uma brisa maravilhosa durante o trajeto pela cidade.

A Sereia - hyunlixOnde histórias criam vida. Descubra agora