Prólogo.

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Akemi teve de ser dopada aquela noite para que pudessem manter suas feridas nas pernas e costas devidamente protegidas das ações grosseiras da mulher com seu próprio corpo. Ela sequer quis comer o café da manhã reclamando o tempo todo que queria ver seu irmão mais novo e saber como estava sua saúde.


Quando um médico veio pessoalmente tentar convencer de que ela deveria começar a se priorizar pelo menos enquanto tratava de feridas tão sérias, a única coisa que a raposa fez foi revirar os olhos de maneira grosseira.


Não demorou muito para que ela achasse uma maneira de abandonar seu quarto sem quem os enfermeiros viessem correndo no segundo seguinte. Na verdade, quando o bipe da máquina parou de marcar um compasso acelerado para uma "parada cardíaca", todos sabiam que a linda mulher havia conseguido escapar novamente e isso marcava uma correria pelos corredores.


Por sorte durante aquela tarde ela nunca conseguiu ir muito longe...


Não NAQUELE dia.


Durante a madrugada, por volta das três da manhã, os quartos eram silenciosos e as enfermeiras deram um breve descanso de ir conferir seu quarto — imaginando que o remédio mais forte havia dopado aquela estranha mulher — deixando brecha para a fuga de Akemi.


Ela chegou no monitor cardíaco que estava ligado encarando aquela tela marcando seus batimentos rápidos e atípico para alguém que se manteve tantas horas deitada sem fazer qualquer esforço. Uma coisa que Akemi foi é bem ardilosa em não deixar que as enfermeiras soubesse de seu conhecimento.


A mulher desligou o aparelho, as portas estavam fechadas então o som seria abafado, talvez demorasse para levantar suspeitas de que o silencio era devido a fuga da dançarina. Sem uma roupa que fosse sua, Akemi puxou um roupão hospitalar e cobriu parte de seu corpo e pernas.


Os passos eram o pior de tudo aquilo, não por doer — Akemi sentia como se eles estivessem dormentes e isso era algo que os médicos estavam querendo descobrir mais — mas devido as articulações estarem enrijecidas demais para funcionarem de forma adequada para um caminhar.


Algo curto levava minutos e muita força da mulher que usava as paredes do hospital como seu suporte, uma muleta improvisada. Ela arfou sentindo o suor escorrer por seus seios enquanto continuava a caminhar até chegar no quarto que foi dito ser de seu irmão.


Akemi abriu a porta vendo não apenas aquele pequeno e doce garoto dormir, como outras crianças em suas camas adormecidas pelo cansaço que aquele lugar naturalmente trazia.


Algumas mãos mexiam no celular aereas ao seu redor, outras cochilavam na poltrona de visita. Apenas seu irmão não tinha acompanhante algum e isso abalava seu coração sempre tão dedicado a apenas aquela pequena figura fraca pela doença.


Puxando a cadeira, se esparramou sobre o estofado deixando seus dedos frios e levemente roxos nas pontas tocar a pele quente da costa da mão de seu pequeno irmão. O soro entrava por sua veia em pingos lentos, talvez tivessem acabado de administrar, pois o saco estava praticamente cheio.


—Você é a mãe dele? — Uma voz sussurrou e Akemi por pouco não gritou. Ela estava longe o suficiente para que o golpe de surpresa não tenha chego em seu rosto —Opa. Desculpa te assustar, eu fui buscar um pouco de café na recepção e notei que o pequeno estava com companhia.


— Perdão — Akemi sussurrou olhando o rosto gentil, mas marcado pelo cansaço da senhora — Ele é meu irmão mais novo.


— Oh — Seu ruido foi um tanto impressionado — Estava julgando na minha mente a sua idade, mas isso foi errado da minha parte. Onde está a mãe dele?


— Ela faleceu — A raposa disse em um tom frio como costumava fazer, não queria entrar em detalhes —Eu não pude vir antes ver ele.


— Pelo menos você veio — E antes que a dançarina pudesse responder algo a senhora continuou o seu caminho enquanto bebericava seu café se sentando em frente a uma cama onde uma menininha dormia. Ela puxou o celular mexendo na tela enquanto se distraia.


Akemi, por outro lado, não tinha mais nada pessoal. Seus documentos haviam sido praticamente destruídos juntos de sua bolsa, os escombros só não tiraram sua vida por pouco, já que segundo algumas enfermeiras alguns corpos foram encontrados na mesma porção onde ela foi soterrada.


— Eu vou dar um jeito —Akemi sussurrou tremula como se estivesse implorando para um deus que trouxesse a ela salvação — Irmão... Eu vou dar um jeito... Vamos sair dessa...


Seu corpo tremia, não por dor ou frio... Ele tremia, pois seu coração estava angustiado, sua alma já tão devorada pelo trabalho imundo que possuía agora parecia estar se preparando para os pecados que teria de cometer ainda mais.


Onde uma mulher como ela conseguiria um emprego?


E mesmo que sua mente estivesse em um turbilhão. Mesmo que ela se sentisse jogada a tempestade junto de seu amado irmão. Mesmo sabendo que por pouco não perdeu ambos os membros inferiores... Ou a vida...


Mesmo tudo isso não arrancou sequer uma lágrima de seus olhos marcados pelo desespero... Seu corpo tremia de frio como se por algum motivo sua alma tenha conhecido calor...


Ela se sentia deslocada... Jogada na incerteza e no desespero...


Mas algo lhe dizia que naquele lugar havia a salvação para tudo isso...


Sua mente sussurrava que na tempestade possuía um lugar onde ela poderia se abrigar e não apenas isso, salvar seu irmão. Até porque, eles prometeram isso, mas não mais se recordava.

Raposa Negra, Gato Branco | Chishiya ShuntaroOnde histórias criam vida. Descubra agora