Capítulo VII

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— Antes que possamos começar— A doutora disse fazendo Akemi a encarar. Seus olhos até pouco tempo estava na imagem de seu irmão que brincava com outras crianças no jardim. Elas estavam sentadas não muito longe— Quero deixar claro que nada daqui será passado para um terceiro, no entanto, meu sigílo profissional só acaba quando você puder estar colocando a sua ou a vida de um terceiro em risco. Nesse caso, gostaria que me desse o número de algum parente para entrar em contato caso necessário.


Akemi podia não ser alguém que frequentava psicólogos ou psiquiatras, mas ouviu muito sobre o sigilo ético dessa profissão... Não apenas dessa, mas da área da saúde no geral.


— Eu não tenho nenhum número— A mulher de olhos afiados disse em um suspiro profundo— Somos só eu e meu irmão.


— Algum amigo? Parente próximo? Colega de trabalho?— Ela fez que não para todos, algo que quase fez a médica suspirar frustrada— Então vou mandar um termo para que assine, caso precise de uma internação futuramente.


— Sei que não vai precisar.


Se passou alguns segundos em silencio, a mais velha puxou sua prancheta analisando algumas coisas dos arquivos de Akemi.


— Você estuda? Trabalha com o que, Akemi?


— Eu faço enfermagem não muito longe desse hospital. Eu começaria meu estágio no hospital universitário em dois meses— Foi o máximo que a mulher teve de sua pergunta. Ela apenas rabiscou nas folhas.


— O que gosta de fazer? Eu notei que é bem forte, pratica algum esporte?


— Eu faço calistenia e vou para a academia algumas vezes na semana— Escondeu a dança sem sequer exitar.


— Vou assumir que não namora. Costuma sair com frequência fora a academia e faculdade?— Akemi negou— Balada? Bar?


— Não posso ficar bêbada, isso prejudica meu cuidado com o meu irmão— Informou se recordando das vezes que infelizmente errou gravemente.


— Seu irmão parece ser sua prioridade. Deseja ter filhos?


— Isso é relevante para a terapia?


— Seria melhor conhecer você, criarmos um vínculo mais forte antes que eu comece a fazer perguntas mais intimas.


— Não vai precisar— Cortou a profissional— Eu não vou criar um vínculo como deseja, mas se as respostas servirem para que eu seja liberada com maior velocidade, vou responder.


— Akemi, existem camadas que precisamos entrar para saber onde vem a raiz de seus traumas.


— Não estou aqui para lidar com traumas— Novamente a cortou— Quero apenas o mesmo que todos os médicos aqui querem: o que causa minha ausência de dor.


— Não acredito que seja algo total, mas algo ocasionou uma tolerância maior a alguns graus de dor e é isso que vamos lidar— A psiquiatra finalmente quis revelar, imaginava que assim ganharia a confiança da astuta Akemi— Quero saber até qual grau seu cérebro ignora e até onde isso pode a colocar em risco.


♠ — ♠


Akemi jogava a comida de um lado pro outro no prato usando sua colher, tudo ali era tão sem gosto... Era noite, seu jantar estava quase tão frio quanto o clima fora de suas cobertas quentes.


— Será que ele comeu?— Questionava preocupada com seu irmão que possuía uma seletividade alimentar maior que ela— Eu deveria conferir...


A mulher sabia que seria pega logo assim que saísse daquele quarto, mas de qualquer forma, sua vontade era maior do que o medo de falhar. Jogando uma blusa de frio em volta de seu corpo, olhou para a janela, uma calha se colava a duas mãos da beirada direita, por algum motivo algo lhe dizia que deslizar por ela era fácil... Quase natural, mas Akemi nunca havia feito isso antes, certo?


Ela apenas ignorou a loucura de sua mente, uma imaginação fértil que a viu deslizar se jogando para dentro da janela do andar inferior. Rindo, disse a si mesma que andava vendo muito filmes para acreditar que poderia um dia fazer isso.


E caminhando, começou a percorrer toda a distância do seu quarto até um dos pontos de descanso onde uma máquina de bebidas estava. Ela iria passar sem sequer olhar, porém, o som de uma lata batendo contra a abertura fez ela encarar a silhueta pouco iluminada pegando a bebida.


— Como foi sua primeira consulta?— A voz questionou e ah, como ela se recordava daquele tom desinteressado, mas perigosamente sarcástico— Gostou?


— Foi uma completa perda de tempo— A mulher disse arrumando sua blusa de frio— E você? Já foi ou marcaram para outro dia?


— Eu divido a mesma opinião que você— O loiro agora finalmente a encarava, seu dedo foi até o lacre da latinha a abrindo— Deveria tentar escutar mais os médicos.


Ele apontou brevemente apenas com o olhar as pernas enfaixadas— O que aconteceu?


— Escombros— Breve...— E você? Lembro que disse uma vez sobre "desperdiçar esforços". O seu caso é sério? Ou você apenas está ocupando o tempo de médicos e enfermeiros?


— Estacas perfuraram meu abdômen e ombro, tirando isso estou em um estado melhor que o seu— Akemi riu junto do sorriso sarcástico do estranho, mas interessante loiro.


— Oh entendo— E revirando os olhos, continuou a caminhar de passos lentos— Se alguém te vir, não conte aonde eu fui.


Akemi imaginou ter escutado alguma coisa, mas foi um ruido tão abafado que as palavras não se formaram em seus ouvidos. Ela não iria pedir para que ele repetisse, tinha mais o que fazer. 

Raposa Negra, Gato Branco | Chishiya ShuntaroOnde histórias criam vida. Descubra agora