Capítulo 1: Segundas Intenções

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Vitor está deitado na cama, passando pelo feed infinito do Instagram. O tédio o consome. Ele não tem nada com o que se entreter, nada com o que se distrair. Desce o feed. As férias chegaram e ele está sozinho, os pais continuam trabalhando e sua irmã mais nova foi para a casa da prima. Desce o feed. Sente saudade dos amigos da escola. Não da escola, somente dos amigos da sala. Sente saudades de Clara, de Rafael, de Matheus, de... Arthur. Suspira. Para de descer o feed. Abre a aba de pesquisa: "arthur_fgomes1406". Não há nenhum post novo, nenhum story novo. Nada novo. Vitor pensa nos momentos bons de antes das férias, mas, principalmente, dos momentos bons com Arthur.

Vitor está acostumado a sempre fazer as mesmas coisas todos os anos nas férias. Vai para a casa dos avós no campo, lá tem árvores sobrando, cachoeira, os cachorros. Mas foda-se, nada disso importa porque ele não é mais criança e agora essas atividades parecem tão chatas. Seus 16 anos deveriam ser sinônimo de mudança, porque agora ele é quase um adulto, mas ele se sente igual, continua achando legal subir nas árvores, ir brincar com os cachorros na cachoeira. Ele não costuma mudar muito, prefere sempre estar na zona de conforto, é assim desde sempre. Quando entrou na pré-escola, os primeiros colegas que conheceu foram Clara e Arthur. Eles se tornaram amigos, levaram os primeiros tombos juntos, tiveram as primeiras briguinhas na escola juntos, os primeiros romances infantis juntos. Tudo sempre assim. Eles cresceram, nada mudou. Tudo estava exatamente igual. Mas Vitor não aguentava segurar mais o segredo que já escondia há tanto tempo: ele também gostava de meninos. "Ok, não tem nada de errado nisso" foi o que Clara respondeu. Mas Arthur não. Ele não agiu com violência, mas o que disse foi como um soco para Vitor. "Só não é natural", "eu respeito mas não aceito". De repente, a amizade que estava sólida por dez anos ruiu.

Ruiu, permaneceu ruída por um bom tempo. Até Vitor parar e pensar no que tinha levado Arthur a agir daquela forma. Vitor estava sempre acostumado a ir para a casa de Arthur brincar. Eles jogavam, viam filmes, comiam pipoca, riam, zoavam. Até que um dia a família de Arthur entrou para a Igreja. Há um ano Vitor já não ia mais à casa de Arthur, mas não ligava, eles se viam na escola, na casa de Clara e até na própria casa de Vitor. Mas por que seu melhor amigo tinha feito aquilo? Na sua cabeça a resposta já estava mais que clara. Vitor conversou com Arthur, eles se resolveram, Arthur pediu desculpas, prometeu mudar. E mudou. Mudou bastante, na verdade, quase uma nova pessoa. Bastou um tempo aprendendo e em alguns meses a masculinidade de Arthur não era frágil mais. Ele estava evoluído e melhor. Mas isso só se aplicava longe da família. Perto da família, Arthur tinha uma personalidade máscula e intocável. Desde que se resolveram, Arthur e Vitor voltaram ao normal de antes. A amizade dos dois com Clara já era de 12 anos, e tinha voltado a ser perfeita. Vitor achava que nada poderia acontecer para mudar isso, mas tinha se apaixonado por Arthur.

Ele não queria isso, não queria se apaixonar pelo melhor amigo, pela pessoa que um dia já tinha o discriminado. Então, Vitor escondia isso. Ninguém sabia da paixão secreta que ele tinha por Arthur. Ele apreciava os momentos com o amigo, adorava sentir o perfume que ele usava, adorava abraçá-lo, tocá-lo. Porém, ninguém sabia disso, e nem saberia. Vitor volta para o feed, há uma notificação de lembrança. "Há um ano atrás..." em uma foto de Vitor com seu cachorro no sítio dos–É claro! Como não tinha pensado antes nisso? Por que não chamar Arthur para passar as férias no sítio dos avós com ele? Vitor abre o WhatsApp, "oi" seguido de "está ocupado? pode viajar?". "Posso sim", Arthur responde. Ótimo, agora ele tem tempo garantido com Arthur. Ele se levanta, pega diversos jogos de tabuleiro, põe vários episódios de séries e filmes para baixar, organiza as comidas.

– Pai? Oi, tava pensando: posso levar o Arthur pro sítio? Ele nunca foi lá, seria legal passar as férias fora daqui com ele.
– Tá bem, filho. Você quer que eu leve vocês que dia? Ele já pediu pros pais dele? E você, já pediu sua mãe?
– Já tá tudo certo, pai. Vamos amanhã.

Vitor foi dormir ansioso. Acordou, tomou seu café e já mandou logo mensagem para Arthur. "Pronto?", ele perguntou. "Já, sim", foi respondido. Aqui começa a jornada de descobrimento dos dois.

Até o Próximo Anoitecer - Romance GayOnde histórias criam vida. Descubra agora