Muita calma nessa hora

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Distraído você remexe o macarrão, esta começando a inchar e virar uma massa pegajosa, um beicinho se forma em seus lábios, ao mesmo tempo que seu estômago ronca. Você teve esperanças de que sentiria pelo menos o sabor, mas foi apenas quente e insosso.

Seus bebês estão demorando pra achar Tamayo e continuar faminto é uma droga, você espera realmente não perder a razão, seria desconcertante pra dizer o mínimo. Com o canto dos olhos você vê a porta do estabelecimento abrir de supetão, o barulho ecoando no lugar quase vazio, os poucos clientes pulam de susto. Aquele ali é familiar, isso o faz estalar o pescoço devido a velocidade com a qual se vira, sua boca cai meio aberta em choque, os pauzinhos escapam do seu aperto frouxo direto na tigela, fazendo respingar caldo gorduroso na camisa branca.

- Merda!- Você praguejar esfregando as gotinhas profanas, esquecendo por um momento o que o surpreendeu.

Sua distração dura pouco entretanto, pois logo a razão de tudo aquilo agarra sua camisa e puxa. Merda dupla, você pôde ouvir alguns pontos de costura arrebentar, foi trágico, você gostava daquela em particular.

- Você! Muzan Kibutsuji!

Seus olhos se voltam para alguém bem conhecido, não tinha como confundir, era seu futuro-terapeuta-raio-de-sol. Não que ele estivesse muito radiante agora, suas feições estão distorcidas, está bem claro a raiva com a qual o protagonista lhe vê. Isso foi péssimo, Tanjiro o odeia, foi esperado, era justificável, mas ainda decepcionante.

- Sim?- Você balbucia, incerto de como tratar o menino.

Você não queria ser mal com ele, por várias razões. Primeiramente, Tanjiro era um bom menino, bom demais pra ser verdade. Em segundo lugar, você precisava dele para a terapia obrigatória de seus bebês. E por fim e talvez a principal razão, se você for sincero consigo mesmo, é que o fato dele ser o protagonista lhe dá uma habilidade muito injusta, o poder do roteiro. Ainda que você tenha conseguido tampar qualquer fragilidade possível, você não tem dúvidas de que, se o menino realmente quisesse, algo misterioso surgiria da bunda do mundo pra lhe fuder.

É assim que você acaba se jogando no mais jovem, envolvendo seus braços entorno dele, fechando seus dedos ao redor da caixa em suas costas, uma garantia de que nada pulasse de lá. Tanjiro está rígido, tentando se mover e se afastar, uma veia estalando em sua testa com o esforço, mas você está firme. Indiferente aos demais expectadores, você grita:

- Nakime!

O nome proferido é como um comando, quase imediatamente, uma porta se abre do nada sob seus pés e vocês estão caindo. Você se agarra mais forte ao menino, sussurrando:

- Muita calma nessa hora Tangerino... Eh, quer dizer, Tanjiro-kun, eu posso explicar. Quero dizer, não é nada como você pensa... Bem, não tudo.- Você encara o menino, seus olhos o queimam, mas ele tá ouvindo e vocês ainda estão caindo, o que lhe faz questionar, Nakime tem algum rancor contra você? Nesse ritmo você teme virar papinha com o impacto.- Apenas me ouça e eu vou deixá-lo ir.

Você é sincero sobre isso, mais o menos, ainda que o menino o nege agora, você pode ser pegajoso, se não convencer com argumentos muito bem bolados - só que não - você ganhará pela birra. Você tem um dom e é ser chato, se você quer algo, grite e espernei, não dê um segundo de sossego para seu alvo, é como dizem, água mole em pedra dura tanto bate até que fura. A melhor parte é que nessa situação ele não tem como o bloquear ou lhe denunciar, os privilégios de estar fora das redes sociais, disso você não sentirá falta, aqui você pode ser tão insuportável quanto desejar ser, sem temer cancelamento, viva os tempos do bumba.

E lá está o chão, mais alguns metros abaixo, contudo, antes que o menino morra pelo impacto, com um toque de biwa vocês não estão mais caindo, Nakime os deixa em segurança em um quarto fechado. Que boa menina era aquela, você deve lhe dar um agrado qualquer hora.

Bem, bem, lá vai você se desviando novamente, há assuntos mais imediatos. Com cuidado, você solta Tanjiro, quase imediatamente ele se joga para tras, tropeçando em sua pressa de se afastar. No instante seguinte, o raio de sol tem sua lâmina exposta, seus dentes cerrados e o corpo todo tenso pra atacar, enquanto seus olhos buscam veementemente por uma brecha. Isso já começou bem, pelo menos ele ainda não o cortou, com regeneração ou não, você não é nenhum masoquista muito obrigade.

Beleza, agora, o que poderia fazê-lo não tentar contra sua vida? Você não tem ideia, mentir não é uma opção, não com aquele nariz estranho do prota. Resignado, você apenas dispara:

- Você vê, eu não sou exatamente quem você pensa que eu sou. Sou apenas um qualquer, agora mais louco das ideias, boca suja e com desvio de atenção e caráter, chato pra caralho, mas gente boa, as vezes, talvez, provavelmente... Bem, não importa, o que importa é que não sou nenhum megalomaníaco com complexo de deus!- Só as vezes, você omite.- Mais importante ainda, não sou aquele Muzan que você tá atrás, mas isso é segredo, então você tem que manter confidencial, sabe, como aqueles lances de confidêncialidade médico e paciente.

E lá vai você tagarelando novamente, com um beicinho e olhos pidões, você encara o protagonista, esperando ser tão tentador quanto aqueles cães que imploram por um petisco. Tanjiro abaixa a lâmina, suas sobrancelhas franzidas em confusão, mas escutando, bingo! A esperança não tá perdida, até que está.

No momento seguinte a porta do quarto é aberta, e o pior demônio possível lhes olha curiosamente de lá. Que sorte de merda a sua.

Tomada #01 (Hiatus)Onde histórias criam vida. Descubra agora