E, depois de algumas curvas, encostou o carro e desligou o motor.
- Volto em instantes - ele disse, pegando as chaves. - Mantenha o capuz.
Em pouco tempo, a porta se abriu, mas, dessa vez, do meu lado.
- Vamos - ele disse, segurando minha mão.
- Onde? - Desci do carro e o segui. - Vamos ver o preto.
Ver o preto? Eu adorava a imaginação dele. Ele me entregou alguma coisa, e quando peguei o objeto em minhas mãos, percebi que se tratava de um capacete. Um capacete?
Apertei a fivela do capacete abaixo do meu queixo e segurei-me em seu braço quando ele me ajudou a montar na garupa. Estava um pouco frio, e o vento poderia castigar bastante. Rocei a parte de trás de sua cabeça e percebi que ele não estava usando um capacete como eu.
- De quem é essa moto? - perguntei.
- De um amigo.
Apoiei as mãos em sua cintura, mas seu corpo se ergueu e se abaixou com brusquidão, fazendo a motocicleta ganhar vida. Ele não precisava me dizer o que fazer. Enlacei os braços ao redor dele e repousei a cabeça às suas costas, mas estava nervosa pra cacete. Nunca tinha andado de moto antes.
- Não solte por nada no mundo - ordenou. Até parece que eu faria isso. Dããã... Enfiei os pés no estribo e o segurei com força quando ele disparou pela rua, acelerando cada vez mais. Eu meio que choraminguei, mas não achava que ele tivesse escutado. Isso era mais veloz que o carro. Ou talvez fosse a impressão que eu tinha por causa do vento. Ele desviou para a esquerda, dando a volta no quarteirão, e a moto se inclinou de tal forma que achei que fôssemos tombar.
- Pode diminuir um pouquinho? - gritei. - Por favor?
Mas assim que viramos a esquina, ele acelerou, indo a toda velocidade, e acabei gritando apavorada, abraçando-o com mais força com os braços e as pernas.
- Não me sinto... - Comecei a rir de nervoso - Muito segura. Diminua!
Mas ele me ignorou. Em seguida, virou à direita, depois esquerda, direita outra vez, e era como se o peso dos nossos corpos fosse alto demais à medida que virávamos de um lado ao outro. Houve uma baixada súbita e senti um frio na barriga, e então subimos por uma colina íngreme. Ofeguei, segurando-o com força. Percorremos o topo da encosta e, por um segundo, a moto deixou o chão e voou nos ares, até que tocou a pista outra vez. Meu coração estava quase saltando pela boca, e era como se eu estivesse em uma corrida onde não poderia controlar nada; não conseguia pensar em nada e, mesmo se pudesse, não dava para interromper o que estava acontecendo. A adrenalina estava aquecendo meu corpo, o medo entalado na garganta, e eu não conseguia me decidir se queria rir, vomitar ou gritar. Ele acelerou em uma curva, nós nos inclinamos e quase pude sentir o chão a poucos centímetros da minha perna. Não consegui me controlar.
- Nós vamos cair! - berrei. - Pare, por favor!
E foi o que ele fez. Ele diminuiu a velocidade e parou, e como num passe de mágica, tudo ficou sossegado novamente. Mesmo assim eu não o soltei.
- Isto é preto - ele disse. - Medo, declínio, libertação. Emoção, risco, perigo. Eu não vou te deixar... - Ele parou e nivelou a voz. - Não vou te deixar cair, não de novo - completou. - Segure-se.
Queria que continuássemos por toda a noite agora, porque pela primeira vez em muito tempo, eu era capaz de ver as coisas outra vez. E só porque eu havia perdido a visão, não queria dizer que precisava ter medo de me perder. Talvez fosse exatamente o que eu mais ansiava. O ruído do motor fazia minha barriga vibrar, e eu sorri, desejando mais um monte de noites como esta.
Ele desacelerou até parar e colocou o pé no chão.
- Medo, declínio, libertação - ele repetiu. - Emoção, risco e perigo.
- E morte, a qualquer momento - zombei, mantendo meu rosto erguido para o céu, com um sorriso em meus lábios.
- Liberdade - ele emendou. Apoiei a cabeça em suas costas de novo e ele acionou o descanso da moto, tirando a chave da ignição na sequência. - Acabamos - ele disse, parecendo achar graça quando não o soltei.
- Estou com frio. - Aconcheguei-me a ele. Ele riu baixinho, e o cheiro da pizza infiltrou pelas minhas narinas. - Você pode me mostrar o vermelho? - pedi. Eu não queria que a noite acabasse. Ele parou por um instante e então sussurrou por cima do ombro
- Algum dia.
- Mas você ainda vai me machucar? - caçoei. No entanto, ele parou outra vez, mas seu sussurro foi mais audível
- Algum dia.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Libertado
FanfictionOtto foi mandado para o internato logo após ter quase matado sua irmã adotiva por acidente, deixando ela cega... Sua família o mandou como forma de castigo, mas o que eles não sabiam é que Otto voltaria para reencontrar seus pais... Traumatizado com...