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Capítulo 24

Haiukan

No avião, a caminho da Ilha Lanling Xiao Zhan se recusou a me dizer para onde Yao havia ido e eu não insisti. Não se fez necessário.

Na verdade, não demorei mais do que um dia até conseguir rastreá-lo. Em um mundo com câmeras em todos os lugares, você não consegue ser invisível. Bastou um telefonema para Odin e localizei Yao na Califórnia.

Sei onde mora e também que acaba de ser contratado para trabalhar em uma  petshop.

Desde o dia em que Yao partiu, eu tentei lhe dar espaço, mas minha contenção não durou muito tempo. Sou controlador por natureza e me tornei obcecado em mantê-lo seguro.

Quando escrevi a mensagem de texto, eu já estava no voo para a China. Eu não podia ir encontrá-lo contra sua vontade, então estava determinado a descobrir de uma vez por todas do que diabos ele estava falando quando disse que seria preso se voltasse para casa.

Eu fiz algumas pesquisas, mas havia lacunas que só seriam preenchidas quando eu falasse pessoalmente com as pessoas mais próximas a ele.

Não mandei a mensagem esperando resposta, mas para que soubesse que nós dois não estávamos terminados, então fiquei surpreso para cacete quando meu telefone tocou.

— Zanjin?

— Sim, sou eu. Acabei de descobrir que não matei o meu padrasto.

— Do que você está falando?

— Sobre o passado.

— Não devemos conversar sobre isso pelo telefone, baby.

— Tudo bem, eu só queria que você soubesse que não sou um assassino.

Respiro fundo e passo a mão pelo cabelo.

Toda vez que tenho a percepção de quão pouco ele pensa de si mesmo, é como levar uma facada no coração.

— Nunca pensei que você fosse, lindo.

—  Certo, eu só… queria ouvir sua voz depois do que descobri. Foi a primeira pessoa em quem eu pensei.

— Yao, lhe dei o espaço que achei que desejava, mas o que eu disse naquela mensagem está valendo. Ficarei fora por uma semana, mas quando chegar, voarei direto para São Francisco.

Ao invés de reclamar da minha atitude de homem das cavernas, ele segue uma rota alternativa.

— Voltar de onde? Você não disse nada sobre sair dos Estados Unidos.

— Preciso me reunir com meu avô em Gusu, mas antes, passarei na ilha Lanling.

Ele parece ter parado de respirar.

— Não vai falar nada? — Empurro.

— Por que você está indo para lá?  — Finalmente pergunta.

— Porque chegou a hora de acertar as contas com o seu passado. Eu quero entender o que aconteceu. Já fui muito paciente, agora decidi descobrir por mim mesmo.

Ele suspira, parecendo desalentado.

— Não quero mais pensar naquelas pessoas. Acabo de ter a prova de que eu não fiz nada de errado e ninguém se importou por eu ter desaparecido. Nem mesmo minha mãe, que parece ter seguido com a vida dela. Aquela ilha não é mais o meu lar. Eu não me importo. Já os esqueci também.

— Você pode ter esquecido, mas eu não sei perdoar, Yao. Cada pessoa que o machucou, vai pagar.

— Assim como o monstro pagou?

— Quando eu for encontrá-lo, nós conversaremos sobre isso. Não deveria ter fugido de mim.

— Eu não fugi. Sabia que você me encontraria, eu só precisava pensar.

— Do outro lado do país?

— Eu não quero brigar — diz. .

— Não gosto da ideia de você morando sozinho em uma cidade como São Francisco. A Califórnia pode ser perigosa.

— Eu sei. Já li algumas manchetes nos jornais e estou tomando cuidado. Tem minha palavra.

— Não é o suficiente. Prometa-me que não irá se expor.

— Não coloque guarda-costas atrás de mim — ele diz, soando zangado.

Porra, eu senti falta do meu ômega  briguento.

— Não tem ninguém te seguindo, apenas monitorando enquanto estou fora. Seja um bom menino e não farei nada além disso.

Aguardo uma tempestade, porque Yao não é de aceitar calado esse tipo de desafio, mas ele me surpreende.

— Haiukan ?

— Sim?

— Eu não odeio você. É o oposto. E estou com muita saudade.

Quando ele desliga, eu fico olhando para o telefone.

Vou descobrir o que fizeram com você, Yao. E depois que cada um pagar, voltarei para pegá-lo para mim.

Naquele momento, eu não fazia ideia de que mais uma vez eu teria que salvá-lo de um monstro.

Um muito mais perigoso, pois usava uma fachada de homem de bem.


Ilha Lanling

No dia seguinte

— Quem é você? — O mesmo rapaz que eu vi nas fotos do aniversário de Yao pergunta.

Observo meu  interlocutor, tentando adivinhar quantos anos tem. Naquelas fotografias antigas, ele parecia próximo ao meu ômega em idade, mas apenas quatro anos depois, eu lhe daria, em um primeiro olhar, uns trinta.

Também está arrumado demais, mas de um modo estranho. Tudo em excesso.

Eu não mandei qualquer aviso de que viria, então talvez essa seja sua aparência normal.

São apenas dez horas da manhã, mas as roupas ostentam como roupas da noite.

Por morar em um lugar como esse, que apesar de mais desenvolvido do que a ilha em que Xiao Zhan nasceu, ainda assim é um ponto perdido no meio do nada no mar , ele não precisaria de tanto brilho ou sequer ter os cabelos arrumados.

Sua casa é simples e duas crianças — uma que deve ter por volta de dois anos e outro bebê de colo — estão deitadas em uma manta no chão a poucos passos de nós.

São seus filhos? Não importa, já que não vim fazer amizade, mas atrás de fechar o quebra-cabeças sobre a vida de Yao.

A pergunta que ele me fez quando bati em sua porta não foi agressiva.O homem somente parece curioso e eu já esperava por aquilo.

Sou um diferente e chamo atenção em lugares como esse.

— Um amigo de Yao — respondo por fim.

— Onde ele está? — A preocupação em sua voz soa genuína.

Como responder aquilo sem revelar demais?

— Nos Estados Unidos. — Opto por não mentir e tampouco dizer a verdade.

— Você não é só um amigo. Um cara com sua aparência não vem atrás do passado de um ômega sendo somente um amigo. Você gosta dele?

Ser questionado normalmente me irrita, mas resolvo me segurar e contar outra meia-verdade.

Preciso de Zhu Zanjin  para responder as perguntas.

— Yao é importante pra mim, então quero entender mais sobre a vida dele.

— Por que ele mesmo não conta?

— Porque não quer se lembrar.

Ele sacode a cabeça.

— Acredite, ninguém no lugar dele gostaria — diz, melancólico.
— Fico feliz que tenha sobrevivido, mas pode ao menos me dizer se ele está bem?

— Sobrevivido?

— Sim, eu sei o que aconteceu depois que ele foi embora daqui.

(...)

𝕺 𝖒𝖆𝖋𝖎𝖔𝖘𝖔 𝖊 𝖘𝖚𝖆 𝖔𝖇𝖘𝖊𝖘𝖘ã𝖔Onde histórias criam vida. Descubra agora