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Capítulo 22

Zanjin

Aeroporto de São Francisco.

Acabei de desembarcar e ainda não tive coragem de sair do aeroporto.

Eu não sei muito bem o que estou fazendo, mas não deve ser tão difícil assim conseguir alinhar minha vida em um país como os Estados Unidos.

Tenho repetido isso para mim mesmo desde que coloquei os pés dentro do avião, mas até agora, não fui muito bem em me convencer.

A sensação só piorou quando o avião fez uma conexão em Seattle — quando comprei a passagem, estava tão desesperado para fugir que não prestei atenção a esse detalhe — e na parada, fiquei completamente perdida dentro do aeroporto, sem saber em que portão deveria pegar o outro voo.

Fui ao balcão da companhia aérea, fazendo força para esconder o quanto estava nervoso e uma atendente muito simpática, ao perceber meu sotaque carregado, viu logo que eu era estrangeiro.

Acho que ela ficou com pena de mim, porque pediu para que um rapaz me acompanhasse até o portão de embarque.

Admito que quando soube que Haiukan  deliberadamente me enganou, tudo o que pensei foi em fugir, mas depois que a mágoa inicial passou, me pergunto se não me precipitei ao sair da Geórgia.

Eu não conheço nada do mundo.

A raiva que eu carreguei por anos dentro de mim foi esvaziada como um balão de gás que é estourado de repente. O motivo? Meu alvo está morto e o objetivo que eu tinha de fazê-lo pagar, chegou ao fim.

Comprei um bloco de papel e uma caneta em uma loja no aeroporto e decidi transformar em realidade minha lista imaginária do que fazer.

Terei que ficar ao menos uns dois dias em um hotel até conseguir alugar um imóvel para morar. Depois, o próximo passo é pesquisar uma psicóloga que me atenda online.

Não conseguirei contar para alguém tudo o que passei olhando essa pessoa nos olhos, mas talvez com uma tela de computador nos separando, seja possível. Eu sei que preciso de ajuda. Não há dúvida quanto a isso.

Na maior parte do tempo, depois que fui resgatado, consigo manter afastadas as lembranças do meu passado, mas do nada, algumas imagens e até mesmo a voz odiosa daquele desgraçado vêm e tenho vontade de gritar.

Tenho que organizar minha cabeça para não pirar, sabendo que deixei para trás a única pessoa que me ama no mundo inteiro e o cara que, pelo menos um pouco, se importa comigo.

Olho para o celular desligado em minha mão. Eu deveria dar notícia para Xiao Zhan , mas tenho medo de que se o fizer, Haiukan  virá atrás de mim e eu ainda não estou pronto para conversar.

Fui até um desses computadores pagos no aeroporto e pesquisei sobre onde morar em São Francisco. Não tenho ideia de quanto custa para que uma pessoa solteira como eu consiga se manter, mas achei tudo muito caro.

Só por curiosidade, pesquisei aluguel em outros estados e tomei um susto ao constatar que os aluguéis na Califórnia são uma fortuna. Talvez não tenha escolhido bem ao fugir para um lugar com um custo de vida tão alto.

Mesmo que Xiao Zhan  tenha me dado bastante dinheiro, não quero abusar e tentarei economizar ao máximo até conseguir um emprego.

Provavelmente para lavar copos em um restaurante ou algo assim, já que eu não sei fazer nada.

Pelo que andei pesquisando, aqui na América é comum ômegas até mais jovens do que eu morarem sozinhos.

Em uma busca por imobiliárias no  Google, vi uma casa pequena, geminada, de apenas um quarto e já mobiliada, em São Francisco que não é tão cara.

Agendei com a corretora para ir dar uma olhada amanhã de manhã. Pelo que estava escrito na descrição, eles pedem um depósito de dois meses antecipado, além do aluguel do mês.

Levanto-me e me obrigo a caminhar para a saída do aeroporto, levando minha mala pequena de mão. A maioria das coisas que Haiukan  comprou para mim, deixei na casa de Xiao Zhan .

Vejo os táxis e o atendente que organiza a fila de espera, me encaminha para um. Passo para o motorista o endereço do hotel que anotei em uma folha do bloco. Resolvi escrever porque fiquei com medo de que ele não entendesse o meu sotaque. As pessoas aqui falam rápido e por uma vez ou duas fingi que entendi, mas não estava compreendendo nada.

Foi constrangedor quando ao tentar comprar água, precisei repetir a palavra três vezes para que a mulher pudesse me dar uma garrafa.

Acho que tenho que acrescentar mais um item na minha lista de coisas a fazer: aulas de pronúncia.

No dia seguinte

Dou uma última olhada no hotel para ver se não esqueci nada. Hoje pela manhã fui até a imobiliária e consegui alugar a casinha. Fiquei orgulhoso de mim mesmo e a corretora foi muito gentil ao falar devagar comigo, para que eu pudesse entendê-la.

Quando expliquei que era novo na cidade e que estava procurando um emprego, ela me contou que sua cunhada precisava de alguém para trabalhar no turno da tarde em uma petshop.

Nada complicado. — Me garantiu.

Eu teria que passear com os cachorros pelo quarteirão da loja. Segundo ela, alguns animais quando são levados para tosa ou cortar as unhas, ficam um pouco ansiosos, então a dona passou a“cansá-los” um pouquinho antes de fazerem o tratamento de beleza.

Estou muito excitado com minhas pequenas conquistas e tive vontade de ligar para Xiao Zhan  e compartilhar tudo. Combinamos de enviar cartas pelo correio, como as pessoas faziam antigamente, para evitar que Haiukan  me encontrasse. Fiz isso assim que saí da imobiliária, contando sobre a casa e também a possibilidade de conseguir um emprego, mas depois que a enviei, me achei ridículo.

Se quero ser tratado como um adulto, preciso agir como um. Assim, decidi ligar o telefone.

Não sou um fugitivo, mas alguém que precisa de um tempo para pensar.

Para minha decepção, não havia mensagens dele, mas de Leonid e Zhuocheng. Nenhum dos dois parecia feliz comigo.

Eu ignorei ambos e apenas mandei mensagem para Xiao Zhan , avisando que a partir de agora, o telefone estaria ligado.

Nada mais de me esconder. Sou o dono do meu próprio destino. — Pensei.

Muito em breve, a vida me provaria o quanto eu estava enganado.

Há sempre monstros à espreita.

(....)

𝕺 𝖒𝖆𝖋𝖎𝖔𝖘𝖔 𝖊 𝖘𝖚𝖆 𝖔𝖇𝖘𝖊𝖘𝖘ã𝖔Onde histórias criam vida. Descubra agora