Sutilmente

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E quando eu estiver triste simplesmente me abrace...


Simone Tebet


Dei play no filme e puxei um pouco a coberta e sentei-me no sofá e logo pés gelados foram jogados em minhas pernas e risinhos foram ouvidos. Olhei para o lado sorrindo e estendi o prato com o tão pedido brigadeiro da loira de olhos claros deitada em cima de mim e Fernanda.

- Você anda muito folgada, Vossa Excelência! -Falei e comecei a massagear seus pés na tentativa de esquentá-lo.

- Humm... -gemeu manhosa provando o brigadeiro e meus olhos desviaram para aquela cena obscena- Você é uma santa, Simone Tebet.

- Mãe, você esqueceu minha colherrr... -Nanda falou manhosa e revirei os olhos.

- Levante-se e vá pegar. -Ordenei dando de ombros e focando no filme.

- Tia Sol não me deixa sair! -Falou rindo.

Olhei para a dupla dinâmica e a loira estava agarrada fortemente na minha filha com um sorriso zombeteiro no rosto e os olhos fechados.

- Vocês duas são umas folgadas! Divida sua colher com ela, Soraya!

- Não! -Murmurou enterrando o rosto sujo na almofada do meu sofá e fiquei com vontade de repreendê-la, mas apenas ri de sua atitude infantil.

- Que adulta! Não a conheci assim...

Empurrei os pés da loira para baixo e fui buscar a colher, no meio do caminho senti algo enroscar em meus pés me desequilibrando e quase fui ao chão, esbarrando na mesa e fazendo barulho.

- THRONICKE! -Gritei minha amiga- Sua bola de pelos quase me matou!

Soraya apareceu rapidamente ao meu lado e seu rosto transparecia susto e medo, me repreendi pela maneira que a chamei, mas logo ela começou a gargalhar e se abaixou diante de mim e pegou Deusdete em seu colo.

- Oi, princesinha! Sua madrinha quase pisou em você? Ela sente muito, minha bebê... sim, ela sente... -Falava com a voz fininha e voltou para a sala com a cadela agarrada nela e fazendo a mesma manha que a mãe fazia minutos atrás.

- Eu não sou madrinha dessa.... criatura perversa que quase me derrubou! -Resmunguei e fui logo pegar a bendita colher.

Me juntei novamente as minhas garotas e a pestinha da Deusdete, que se apressou em vir para meu colo junto com os pés da folgada de minha amiga.

Ficamos curtindo um pouco o filme até o barulho da TV ser cortado por Fernanda:

- Ela não está bem, né?

Olhei para a minha menina e ela estava com os olhos cravados em Soraya enquanto fazia um cafuné na loira já adormecida. Me compadeci de Nanda, eu sei o quanto ela adora Thronicke e como essa história está mexendo com ela.

- Ela vai ficar bem, Fernanda, não precisa se preocupar. -Falei e segurei sua mão.

Olhei para a minha amiga e tirei algumas mechas de cabelo de seu rosto. Ela dormia de uma forma muito fofa, fazendo um biquinho adorável com os lábios.

- Ele fez algo a ela?

Eu nunca menti para Maria Fernanda, sobre nada, nem mesmo quando pedi o divórcio ao seu pai por ele ter me traído ou quando meses atrás ela pegou Leila aqui em casa durante o café da manhã e eu tive que falar sobre meu envolvimento com mulheres e sobre aquela exceção do senado.

- Fez. Mas ela ficará bem, eu prometo!

Fernanda limpou uma lágrima que insistiu em cair.

- Mãe... eu gosto muito dela -falou hesitante e me olhou- mãe...

- Fale o que quer falar, Maria Fernanda! -Pedi.

- Ela não pode ser só mais uma...

- Não vamos falar sobre isso, Maria. Eu não gosto dela assim...

- Você gosta! E eu sei que você não a machucaria de propósito, mas lembre-se do que houve com a tia Leila...

- Esse assunto já foi resolvido.

- Eu só estou tentando dizer que... ela não é como as outras.

- Ela é minha amiga! -Frisei e a olhei já me irritando.

- Exatamente. Ela é sua amiga! Minha segunda pessoa favorita no mundo, eu nunca a perdoaria se acontecesse com ela a mesma coisa que a senhora fez com a tia Leila.

Senti meu coração apertar e voltei meu olhar para a televisão. O recado havia sido dado e eu tinha entendido. Fernanda nunca se meteu em nenhum relacionamento meu, nem mesmo me falou sua sincera opinião sobre meu divórcio com seu pai, só a vi triste uma vez quando nessa mesma sala ela ouviu sem querer o choro de Leila pelo fim de nosso envolvimento.

Eu e Leila acontecemos de repente. Estávamos bêbadas e ela tinha terminado seu casamento, eu estava de TPM e com tesão, juntou tudo e acabamos na mesma cama. Ao amanhecer ficamos constrangida, mas logo decidimos acabar com tudo... então veio algumas reuniões noturnas com vinho e calor e mais uma vez aconteceu. E foi acontecendo. Expliquei a ela que era errado, que éramos amigas e não deveríamos fazer aquilo, que eu nunca tinha me envolvido com ninguém do senado, mas ela me prometeu que seria apenas sexo casual com uma amiga.

Então, ela apareceu na minha casa alguns meses depois com flores e uma declaração na ponta da língua, Fernanda estava no quarto guardando suas coisas, tinha chegado da casa do pai há poucos minutos. Terminei tudo com Leila naquele dia e deixei claro que meu interesse era apenas em algo casual e que infelizmente eu não sentia o mesmo...

- Humm... hãmmm -Ouvi um gemido suave e olhei rapidamente para o lado, Soraya se remexeu um pouco, mas logo voltou a ficar parada.

Continuando. Fernanda ouviu tudo e viu sua tia me xingar de tudo que é nome e usar o famoso "Rainha do gelo do senado" para cima de mim mais uma vez. Leila se afastou de mim por um bom tempo, mesmo mantendo as aparências no senado, mas aquela nossa amizade de antes nunca mais foi a mesma. Eu feri seus sentimentos por não os corresponder e cometi o erro de achar que poderíamos separar as coisas, nunca é bom se envolver dessa forma com as pessoas de sua confiança se você não é capaz de sustentar o que vir depois, aprendi isso na marra. Perdi uma amiga e agora, ironicamente, estou apaixonada por sua inimiga.

Leila nunca foi com a cara de Soraya, desde quando ela apareceu pela primeira vez na explanada. Nem mesmo aquele sorriso contagiante agradou minha amiga. Eliziane seguia tudo que Leila achava ser bom, então foi muito difícil convencer as minhas duas melhores companheiras de jornada que aquela loirinha marrenta e braba era a pessoa mais incrível do mundo, mas mesmo depois de provar para o que veio e se desvincular totalmente de Bolsonaro, as meninas continuavam a vendo como a cadela do presidente e eu sei que elas falam coisas horríveis a seu respeito ali dentro, porém nunca na minha frente, nunca para mim.

- Não... não.... -Soraya começou a se remexer mais uma vez, me preocupando.

- Tia Sol? Tia? Acorde, está tudo bem... -Fernanda a chamava.

Soraya abriu os olhos assustada, sentou-se rapidamente no sofá e começou a olhar para os lados tentando se situar. Me aproximei com cautela e segurei sua mão, estava gelada, sua respiração era ofegante, mas nada dizia.

- Vamos subir? -Chamei devagar e ela acenou fracamente.

- Boa noite, filha! -Falei a Fernanda.

- Ela vai ficar legal? -Perguntou preocupada.

- Vai sim! -Falei e ajudei Soraya a levantar e enlacei sua cintura para ajudá-la a andar.

- Boa noite, então! Qualquer coisa me chame, mamãe!

- Ok.

Subi devagar e não demorou muito para estarmos na cama, a puxei para mim e fiquei fazendo um carinho em seus cabelos até ela adormecer mais uma vez.

Minha protegidaOnde histórias criam vida. Descubra agora