Vamos para o quarto depois de comermos. Eu disse que Kade tinha colocado as coisas no meu quarto e ela veio junto. Me sento na cama como quem não quer nada. O que foi ótimo porque preciso me aproximar mais e mais dela.
Não vou mentir, vou dizer de novo, não gosto muito de ter contato com as pessoas. Se eu pudesse, ficaria só na minha. Mas escolhi ser algo que me obriga a ter contato com as pessoas. Porque eu preciso me aproximar delas para fazer o que preciso.
As vantagens de ter aprendido a observar bem as pessoas, é que posso saber quem elas são. As desvantagens é que, se eu me aproximo e crio laços com elas, eu perco essa visão ampliada porque os sentimentos cegam. Por isso, sempre preferi ter menos contato possível com as pessoas.
Era um risco que sabia que correria quando escolhi estar num lugar onde precisaria me enturmar e criar laços. Eu precisaria me fazer ser algo que não sou. E sei que sentimentos são coisas que a gente nunca tem controle. Mas vou tentar, ao máximo, controlar.
Percebo que Mon olha a amiga por um instante. Parece pensar um pouco... Então, mexo na minha mochila como se não estivesse olhando. Observo seus trejeitos. Ela parece desconfiar que a amiga não deveria estar dormindo. E não deveria mesmo! Ela dá um sorrisinho estranho, vira as costas e vai colocar a mochila na cama perto da janela. Hum...
― A vista é muito bonita. ― Ela olha pela janela.
― Sim, muito. Vou lá fora olhar. ― Resolvo ficar um pouco longe para não parecer que estou perto demais e ela se afastar.
― Vai, sim! ― Ela continua olhando a janela.
Saio do quarto, fecho a porta. Dou uma olhada para cima. Penso sobre como não gosto muito do sol. Ele faz doer minha vista, queima minha pele. A luz é incômoda. Mas eu tenho que ir lá fora. Eu sou quase uma vampira, sabe?
Saio para o convés do barco. A vista é realmente bonita. Há cadeiras e mesas aqui fora, também. Há alunos sentados nelas sorrindo e conversando. Aquela coisa de botar o papo em dia depois das férias. Você senta com seus amigos e ri de tudo e de nada. Eu acho isso interessante. Mas vou até a proa olhar a vista melhor, pois ela está numa posição onde eu poderei ficar de costas para o sol.
O barco está andando em sua velocidade. As árvores vão passando. Tem pássaros voando. O céu está azul de uma forma bem bonita. Aquele tipo de azul que a gente nunca vê nas cidades grandes, pois a poluição atrapalha. O que me faz pensar na minha casa.
Na Tailândia, há florestas assim como aqui. São dois países tropicais. E lá é um lugar muito bonito como aqui é. Tem tribos indígenas lá também. Mas não se parece com aqui, não é? Ou talvez até seja. Só que tem suas diferenças. O que faz com que não seja igual. Entende? Porque o Brasil tem muita floresta, mas a Tailândia tem apenas trinta e um por cento de floresta. Enquanto no Brasil, quase sessenta por cento é de floresta.
A Tailândia possui muitos manguezais, assim como no Brasil. Só que não é tanto quanto no Brasil, já que o Brasil sozinho tem nove por cento dos manguezais do mundo, em informações atualizadas, estando em segundo lugar no mundo. O primeiro país com mais manguezais fica na mesma região da Tailândia, a Indonésia, com dezenove por cento. A Tailândia tem cerca de um por cento apenas. E pensa só que a grande maioria dos manguezais do Brasil ficam justo aqui na Amazônia.
Vou parar de dar aulas de geografia. Desculpe, eu me empolgo com os assuntos e saio falando um tanto sobre eles. Eu gosto dos dados, das curiosidades e tudo mais. Eu não posso controlar isso, pois faz parte de quem eu sou. Só que, para me enturmar, eu preciso deixar esse meu lado nerd dormindo. Isso afasta as pessoas. Elas não gostam disso. Elas te chamam de nerd de uma forma de deboche e tiram com a sua cara. E como estou passando pelos manguezais, fico pensando nessas coisas.
E poderia vir e falar sobre as árvores dos manguezais. Mas já estou vendo você me deixando falar sozinha por ser um assunto mega chato. Vamos falar sobre outros assuntos mais interessantes... Né? Chega de manguezais!
Então... Acho que vou falar sobre isso aqui... Fico sempre pensando sobre como se deve chegar numa mulher. Sou um desastre com isso. Eu já disse que não sou muito de falar com as pessoas, ainda mais depois daquele caso terrível. Mas tô tentando o meu melhor aqui.
Acredite, tô suando por dentro. Puxar papo com a Mon está sendo algo bem difícil e só fico mais na boa porque estou observando ela de forma séria. Se ela fosse meu interesse amoroso de verdade, verdadeira, você veria quem sou de verdade.
Uma vez, vi uma peça teatral bruxa muito conhecida lá dos Estados Unidos chamada Ela É O Cara, pois me deu curiosidade de ver aquela coisa chamada Estátua da Liberdade bruxa, que consiste em uma grandiosa mulher bruxa apontando a varinha para cima. Ah, me interessei pelo assunto e quis ir ver! Aí vi um pedacinho só da menina que fingia ser o irmão que jogava quadribol, falando com o cara musculoso na peça sobre que é só falar de queijo que é papo.
O que eu sei sobre queijo? Que as mineiras gostam de queijo. E eu poderia usar isso com a Mon, mas acho que daria muito na cara que eu tô inventando papo furado. Lá fala que papo é papo. Mas imagina chegar numa mineira e falar de queijo. Seria tão óbvio. Chegar nela e dizer que notei que ela é mineira e perguntar se ela gosta de queijo.
Eu poderia usar, mas acho que agora não seria apropriado. As cantadas baratas, a gente deve usar depois que conquista a menina. Mulher apaixonada ri de tudo. E sei que preciso conquistar a Mon da forma certa. Ela parece ser o tipo que odeia cantada barata. Se eu usar isso com ela, a menina vai sair correndo numa velocidade maior que a do balaço quando atingido pelo bastão.
Cansei de ficar no sol. Vou voltar para o quarto. Já dei meu tempo longe da Mon para não dar na cara que eu tô me aproximando dela. É aquela coisa. A gente se aproxima e se afasta. Deixa aquela saudade, né? Ficar de cima da menina vai enjoar ela. A não ser que ela esteja totalmente na sua. Se ela tiver, a menina vai grudar em você igual um carrapato. Já tive uma assim e não achava ruim, mas também não queria ficar com ela tanto assim. Eu queria respirar e ela não deixava.
Eu assumo que não sou boa com mulheres, mas também não sou aquele tipo de pessoa que nunca deu um beijo na vida. Já tive meus momentos de língua na língua. Só que nunca foi tudo aquilo que eles dizem ser. E não durou muito. Na verdade, foi só coisa de fogo no cu. Como eu disse, teve uma que grudou e não soltava. Tive que terminar na velocidade da luz. Ela reaparecia, às vezes, querendo me fazer sentir culpada por magoar o coração dela em dois dias. Aí eu mandei ela não aparecer mais. Chantagem emocional comigo não!
De qualquer forma, entro no quarto e olho para Mon. Ela ainda mexe nas coisas dela como se estivesse revisando tudo o que colocou ali. E eu acho até algo normal. Ela deve estar olhando se esqueceu alguma coisa.
― E aí? Gostou da paisagem? ― Ela me olha, numa boa.
― Muito. É muito linda a paisagem. ― Eu sorrio e me sento na minha cama.
― Tem a opção de colocar a rede no lugar da cama. Tem o feitiço para mudar. Se você quiser usar a rede... Está ali o nome do feitiço. ― Ela aponta para a parede que eu já tinha visto logo que entrei mais cedo.
― Mais tarde, eu faço isso. ― Dou uma disfarçada, pego minha mochila, olho para dentro e vejo tudo bem organizado em critérios, tendo até vários livros sobre a América do Sul para eu não passar nenhuma vergonha.
― Como você sabia que aqui não usamos malões? ― Ela me olha com interesse e eu acho que isso é um passo, pois ela está puxando papo.
― Veio na carta de explicação. ― É uma verdade, ou meia verdade, pois sempre soube que aqui se usam mochilas com encantamento de extensão e não malões.
― Legal. ― Ela parece entender e acho que fui bem.
― Não quer ir lá fora olhar a paisagem? ― Acho que devo dar o segundo passo.
― Tudo bem. ― Ela pensou um pouco, acho que para se fazer de difícil, mas aceitou.
― Você sabe se vai demorar muito para chegar? ― Tento manter a conversa neutra para ir com calma.
― Ah, daqui uma hora mais ou menos. Já tem bastante tempo que saímos, né? ― Ela olha no relógio de novo e fico só observando.
― Pois é! Ficamos bastante tempo conversando na mesa. ― É, mesmo, né, ficamos mesmo falando bastante sobre qualquer coisa, nada que seja relevante.
― Conversamos, mesmo. ― Concordo e nós duas saímos do quarto e vamos para o corredor.
― Já estou gostando daqui. ― Sorrio o meu melhor sorriso porque dizem que o sorriso cativa as pessoas.
― Você vai gostar bem mais quando chegar à escola. Ela é muito grande e cheia de coisas. Você vai ver. ― Ela parece estar agindo de novo como mais cedo quando perguntei da escola e ela falou coisas decoradas porque o normal seria ela falar, que legal que você está gostando.
― Imagino que deva ser bem bonita. ― Finjo certo interesse em ver onde ela vai chegar com esses papos de guia turístico.
― Sim, bastante! Você deve saber que é feita de ouro! ― Ela continua como o previsto.
― Eu ouvi falar que, às vezes, aparece o animal que canta e encanta as bruxas desavisadas. Aí leva elas para a floresta e elas nunca mais são vistas. ― Jogo o verde para ver o que ela responde.
― Sim, ele se chama Ñakasqa Munay. Que na tradução seria algo como... Mas que droga, que lindeza! Pois é um ser muito lindo para quem olhar. Dizem que ele se parece com um gato-macarajá. Mas não tenha medo. As caiporas colocam ele para correr toda vez. Já faz muito tempo que ninguém passa por isso na escola. ― Ela age bem da forma que espero e acho ótimo, pois tô aprendendo como ela funciona.
― Ah, tudo bem! No meu país tem o Banded Linsang que arrasta as mulheres para a floresta de Pran Buri, mas não é seduzindo, não. ― Começo a rir para ela não perceber que estou jogando o verde a todo momento.
― Pran Buri não é na Tailândia? ― Ela percebe minha mentira e não finge não saber, o que também é ótimo.
― Não, é na Coréia. ― Tento agir como se ela estivesse errada.
― Devo ter confundido. ― Ela balança a cabeça como se concordasse, mas nós duas sabemos que ela sabe muito bem onde fica Pran Buri, pois a avó dela veio da região.
― Sim, confundiu. ― Sorrio como se concordasse.
― Nossa, um tucano! Deve estar levando alguma carta. ― Ela muda de assunto do nada.
― Vocês usam tucanos, né? ― Olho para onde o tucano vai.
― Usamos mais araras, mas os visitantes sempre preferem as corujas. ― Ela dá de ombros e noto que ela deve estar pensando sobre quem eu sou e isso também é ótimo.
― É mais fácil para enviar carta para nossos países porque as araras têm mais para cá e não para lá. ― Estou pensativa sobre como ela age.
― Sim, verdade! ― Ela ainda está meio assim e consigo notar.
― Você estava me dizendo sobre sua avó, não é? Que ela é da Tailândia. Seus pais são brasileiros? ― Continuo jogando o verde porque preciso fazer isso.
― Minha mãe nasceu no Brasil, mas meus avós são tailandeses. Meu pai é brasileiro, descendente de ingleses. ― Ela parece não se importar de responder, mas vejo que é uma verdade.
― E como é para você? Você aprendeu a falar o tailandês e o inglês? ― Olho para a floresta para demonstrar que estou numa boa, tranquila.
― Eu só falo o português, mesmo. Na verdade, eu falo o portunhol como todo mundo na escola. A gente até brinca que essa é nossa língua oficial. ― Ela ri e observo ela pelo canto dos olhos, pois aprendi desde cedo como olhar uma pessoa sem ela ver que a olho.
― Isso é legal, mas você deveria aprender sua língua ancestral. Te ajuda a andar pelo mundo. ― Continuo o que estou fazendo.
― Eu sei, mas nunca me interessei. Meu pai também não fala inglês. Só minha mãe que fala tailandês. ― Sim, eu sei que a mãe dela fala.
― Entendo... ― Fico pensativa um momento.
― Com quem você aprendeu a falar tão bem o português? ― Ela começa a me avaliar e acho isso ótimo.
― Meu avô morou no Brasil por um tempo. Aprendeu a falar bem e me ensinou. Foi ele que me fez querer vir estudar aqui. ― É uma verdade que prefiro falar para ela não notar que estou observando ela.
― Ele deve estar feliz por você estar aqui, né? ― Ela para de olhar para mim e sei que ela viu que falo a verdade.
― Sim, muito. ― Concordo, pois imagino que onde ele estiver deve estar.
― Meninas, dormi e nem vi que dormi. ― Kade aparece do nada e fico irritada por dentro por saber que feitiços nunca duram eternamente. ― As pessoas estão todas lá dentro comendo e vocês aqui fora.
― A gente tava aqui conversando. ― Mon parece estar meio assim, o que me deixa pensativa, pois ela não parece estar feliz em ver a amiga.
― Sobre o que? ― Kade parece interessada.
― Sobre várias coisas. ― Tento agir como se não fosse nada.
― Não quer comer nada, princesa? Eu busco para você. ― Kade sorri daquele jeito.
― Quero uma coca cola. ― Tento ver se ela vai fazer o que quero de novo só por diversão porque não presto às vezes.
― Vou buscar, princesa. ― Kade começa a ir e fico feliz de ela sair daqui.
― Kade, você sabe que não tem dinheiro para isso. Volta aqui! ― Mon puxa ela com tudo e fico irritada.
― Que isso? Me chamando de pobre na frente da moça. ― Ela fica ofendida.
― Ela também é pobre e vai entender. ― Mon parece meio impaciente, o que me chama mais atenção ainda.
― Sim, eu entendo. ― Concordo para deixar para lá
― Ah, tudo bem! E o que quer fazer, princesa? ― Kade não para nunca.
― Vou me arrumar para chegar na escola. Tchau. ― Esse joguinho perdeu a graça, vou sair daqui que ganho mais.
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Lover (REPOSTAGEM REVISADA E MELHORADA)
FanfictionEssa é uma fanfic para maiores com temas mais fortes. Leia por sua conta e risco. Mon vai para seu último ano em Castelobruxo e conhece Sam, uma aluna de intercâmbio. Lover se chama assim por ser minha história mais amorosa, calorosa, cheia de cari...