Arco III - O Devaneio do Corvo I

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S/N ainda se lembrava da noite em que retornou para a Capital, perdida e completamente desolada. Ela se lembrava do terror, de todas as emoções se misturando e a tornando uma enorme bagunça - mesmo quando fugiu do quarto separado na academia para ver Klee durante a noite, tudo o que ela conseguiu fazer ao chegar na mansão foi chorar enquanto a mais nova dormia tranquilamente.

Com o passar do tempo, as feridas lentamente se curavam, ela podia ver no reflexo do espelho a bochecha marcada pela cicatriz larga, os mesmos olhos cansados e mortos de sempre, os cabelos presos numa trança longa e baixa.

S/N colocou um cigarro entre os lábios, mordeu o filtro, caçando pela bolinha antes de acendê-lo com o isqueiro acobreado. Aquele era o último maço, o que indicava que teria que pedir pelo comunicador de uma das bases mais próximas da capital pelo suprimento.

Depois de um longo ano como aluna da Academia, S/N se tornou uma agente de campo - e como a mãe, exigiu que pudesse agir sozinha, assim poderia proteger os outros e o segredo de família.

A mais nova Agente de Campo atuava completamente sozinha, o prodígio dos Vorona. E mesmo assim ela só conseguia se sentir como um monstro.

S/N tragou, soltando a fumaça lentamente pelos lábios entreabertos. Ela sentiu a brisa fria castigar o rosto e apreciou a vista privilegiada do alto do prédio mais alto que conseguiu escalar.

Era um milagre que a estrutura ainda estivesse de pé, talvez tivesse sido construída com uma base forte o bastante para resistir a destruição, afinal, todo o resto do que parecia ter sido uma cidade se estendia ao redor em ruínas e carcaças apodrecidas dos despertos que ela havia atraído até ali - só para matá-los rapidamente. Em um ano, S/N havia conseguido completar mais execuções que outros agentes muito mais experientes. Era fácil ser a melhor quando os inimigos pareciam ignorá-la.

E mesmo assim, S/N gostava da sensação, mesmo que estar no topo fosse solitário, as recentes ações autodestrutivas pareciam ser as únicas coisas que a mantinham viva - eram as únicas que pareciam fazer a garota sentir algo. Ela sabia o quanto era arriscado, sabia que acabaria morrendo se acabasse se descuidando demais, mas depois de quase três anos completamente isolada do resto do mundo ali, fora das barreiras, era tudo o que tinha.

S/N tragou, se inclinou sobre a beirada da grade de proteção e precisou se apoiar bruscamente para não cair. O cigarro girou entre os dedos, ela tentou agarrá-lo e queimou o indicador na brasa quente antes de largá-lo. Ela observou o brilho amarelado cair e se apagar no ar.

Era hora de voltar.

S/N ignorou a barreira azul da Sykkel, ansiando pela adrenalina enquanto dirigia a toda velocidade pela estrada sinuosa. O vento forte a fazia perder o fôlego, a cabeça girava enquanto os pulmões buscavam por ar desesperadamente. S/N gritou até sentir que a garganta ardesse, até que estivesse completamente sem fôlego.

Até que alguns despertos fossem atraídos pelo barulho e ela pudesse saciar sua necessidade de adrenalina.

As ruínas das cidades ao redor das cidades da Capital eram seu lar, ela raramente voltava para a segurança da barreira, ela raramente se permitia ter contato, exceto com Klee. Sempre que podia, ela digitava alguma piada idiota para a irmã mais nova e enviava por uma linha especial, criada especialmente para os Vorona.

Klee precisava invadir o escritório da mãe e interceptar toda vez, mas ela parecia se divertir no processo, narrando as aventuras recentes. Com o tempo as mensagens se tornaram mais frequentes e muito maiores, S/N imaginou que, graças a insistência da menina, Alice a havia dado um comunicador.

Agora, sem o peso de ser uma sucessora, ela podia aproveitar a vida como uma pessoa normal - nada de academia, nada de escolas de elite, nada de insígnias. Exceto o sobrenome, que a assombraria para sempre, ela conseguia ter uma vida pacata com os poucos amigos e o talento único para a arte. S/N sentia que aquela era a única vitória que havia conquistado, e fazia o melhor que podia para honrar sua posição.

O Alvorecer do Corvo ( Xiao x Reader)Onde histórias criam vida. Descubra agora