capítulo 6

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Naquela noite, eu não consegui pregar os olhos por um minuto sequer.

Seria hoje. O dia do o meu casamento, o dia que mudaria todo o curso da minha vida. Minha eterna sina.

Minha rodava com tantos os pensamentos que aconteciam ao mesmo tempo, causando náuseas e intensas dores de cabeça. Meus nervos estavam à flor da pele, borbulhando por todo o meu corpo como se eu tivesse acabado de ser eletrocutada. A sensação era angustiante, incerta, dolorosa.

Após chegar ao palácio e retornar para minha vida entediante, Caroline não tocou no assunto da garota que vimos em nenhum momento. Havíamos concordada que não falaríamos sobre isso, que aquilo foi apenas uma infeliz coincidência e que aquela garota não passava de alguém insignificante, apenas uma plebeia cuja aparência se assemelha à minha. Nada mais do que isso.

As vozes também estranhamente silenciosas desde aquele dia, não se manifestando mais de maneira alguma.
Era aliviante que elas não estivessem mais me atormentando, mas também era enervante. Fazia com que com uma angústia profunda e um terror descomunal tomasse conta de mim, com uma sensação de mau agouro planando sobre a minha cabeça.

Já estava tudo preparado para o grande dia, absolutamente tudo meticulosamente projetado e executado para atender aos altos padrões da realeza. Os funcionários do castelo levantaram cedo nessa manhã, ainda antes do nascer do sol. Todos estavam trabalhando a todo vapor, dedicados a deixar tudo perfeito para o dia que seria um dos mais importantes para a história do continente inteiro.

Lady Zye, minha criada pessoal designada e filha de um importante barão da corte, apareceu na porta do meu quarto às exatas cinco horas da manhã, acompanhada de toda a equipe de damas responsáveis por me prepararem para o casamento. Todas elas se curvaram ao adentrarem o cômodo, com os olhares focados em mim enquanto me sentava nervosamente na cama.

Zye deu um passo a frente das outras mulheres, murmurando um vossa majestade antes de estender a mão para me ajudar a levantar. Assim que me levantei, ela cobriu meu corpo com um nobre robe azul, a fim de esconder meu corpo coberto apenas pelo fino tecido de linho da minha camisola.

- Por aqui, Majestade. - Ela instruiu, me levando até minha sala de banho, onde a enorme banheira de mármore branco no centro do cômodo estava sendo preparada para que eu me banhasse, cheia de água de rosas e velas perfumadas em seu entorno.

Fui ajudada a me liberar dos tecidos finos que cobriam minha pele, ficando completamente nua diante da banheira fumegante. Cuidadosamente, coloquei os pés descalços dentro da água perfumada, me sentando no imenso recipiente até que a água estivesse batendo no meu pescoço. Meus músculos relaxaram automaticamente, anestesiados pelos efeitos calmantes das velas e os odores agradáveis que me cercavam.

Uma dama da corte se posicionou atrás de mim no banheiro, em um pequeno banquinho que estava sem nada em sua superfície, próximo à uma das extremidades da banheira. Ela levou as mãos até meus ombros, massageando minha pele e músculos tensos com habilidade e maestria, fazendo com que um pequeno suspiro de satisfação escapasse da minha garganta.

Deuses, isso é realmente o paraíso.
Esse banho está tão perfeito que me faz quase esquecer o que está por vir. Quase.

Meu casamento seria em pouco tempo, durante está mesma tarde, daqui a menos que 8 horas.

Algumas horas. Esse era todo o tempo que me resta. A consciência disso me atingia em cheio todos os momentos nos quais eu ousava olhar para o relógio, contando nervosamente todos os minutos que se passavam.

Que a Deusa me ajude, por que não sei se sou realmente capaz de passar por tudo isso. Não sei se tenho força o suficiente para salvar o meu reino, para liberar o meu povo da morte certa no momento em que os feer conseguissem nos alcançar.

[ ... ]

Contemplando meu reflexo diante do espelho, meu estômago se contraiu com a vontade alucinante de vomitar. Merda, tudo em mim gritava CORRA!, em letras maiúsculas e ponto de reclamação no final. A minha vontade era de rasgar cada milímetro de tecido branco que me cobria, atirar todos esses enfeites idiotas no mais profundo abismo do inferno e correr até onde ninguém pudesse me encontrar.

Maldita seja a corte rosaliana e seus gostos pomposos e extravagantes. Arruinada seja a desgraçada da costureira que me encheu dessas camadas e camadas de tule, com esses estúpidos detalhes delicados e exorbitantemente caros. Eu mal conseguia respirar dentro dessa roupa ridícula, tão chamativa quanto a porra de um lustre pendurado no teto. Tenho certeza que com esse visual, eu iria ofuscar qualquer pobre palhaço desavisado que encontrasse pelo meu caminho.

Meu vestido era branco e coberto com pedras preciosas dos mais variados tons e cores, com diversas camadas escandalosamente bufantes de de saias, com uma gola de renda que se estendia até o meu pescoço, dificultando ainda mais minha respiração descompassada.

Meus cabelos ruivos estavam mais excêntricos do que as penas de um pavão, penteados com mais laquê do que eu pensei ser possível encontrar no reino. Depois disso tudo, tenho certeza que eles ficaram permanentemente duros como uma pedra, condenados a passar o resto de seus dias nesse penteado elaborado e exorbitantemente caro.

Eu estava pronta para subir ao altar e cumprir os meus deveres, vestida apropriadamente para o ritual sagrado e as exigências extravagantes do código de etiqueta da realeza. Preparada para o dia mais importante de toda minha vida.

Como noiva, eu deveria estar exultante com estar prestes a me casar com um príncipe herdeiro. Mas tudo que eu sentia era o mais puro ódio e uma ansiedade tão poderosa que era capaz de me fazer senti-la fisicamente por cada milímetro de pele. Eu queria correr dali, chutar todas as damas da nobreza que me cercavam para longe e gritar à plenos pulmões até que já não restasse mais voz nenhuma na minhas garganta.

- Você está linda, majestade. - Lily disse timidamente para mim, com a cabeça baixa e uma voz fraca. Ela estava ansiosa também, era perceptível. Todas nós estávamos.

Esse dia não seria importante apenas para mim, ele seria um marco na história. Um fator determinante para todo o nosso continente. Isso estaria escrito nos livros, contado de geração em geração entre as pessoas, seria o início da história de uma lenda. Essa união seria a responsável por salvar nossos reinos, seria a única chance de salvar tudo o continente da Lua Crescente.

A lembrança disso apenas adicionou mais lenha ao nervosismo excruciante que tomava conta da minha alma, me remexendo internamente.

Com o queixo altivo tentando não demonstrar um pingo de nervosismo e irritação, respondi à mais nova:

- Obrigada, Lady Liliana. Aprecio muito seu comentário.

A jovem corou levemente, puxando nervosamente uma das pregas do seu vestido para tentar se acalmar. Ao seu lado, minhas outras damas pareciam sentir o mesmo, todas com expressões apreensivas e temerosas. Com excessão de Caroline, que olhava ao seu redor com uma fúria assassina nos olhos castanhos, parecendo mais entediada do que qualquer outra coisa. Todas elas foram devidamente preparadas para o dia, com vestidos um pouco menos esvoaçantes do que o meu, com penteados igualmente chamativos, muito embora o de nenhuma delas fosse semelhante à uma ave em período de acasalamento.

- Mantenham suas posturas firmes e não ousem demonstrar nervosismo lá na frente.  Subiremos ao altar em alguns minutos, estejam prontas. - Eu instrui com a voz firme, mantendo uma postura impecável e inabalável, embora essa não fosse de forma alguma a maneira como eu me sentia por dentro.

Todas se arrumaram Imediatamente, com as feições adquirindo traços estoicos e arrogantes, assim como fomos ensinadas a agir durante toda a vida.

Com frieza e elegância, eu assenti quando a principal governanta do palácio veio me buscar para a cerimônia, me levando até aquele que seria meu destino certo.

Não há mais como voltar atrás.
Porra, eu estou realmente fazendo isso.

herdeira de fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora