capítulo 10

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Blair

As pessoas ao meu redor parecem não perceber a minha existência, como se eu fosse uma sombra, invisível aos olhos de qualquer um deles. Ninguém jamais me vê. Ninguém jamais me ouve. Ninguém se importa.

Estão todos muito ocupados vivendo suas vidas infelizes. Sempre cheios de pressa, sempre sem tempo para olharem duas vezes para uma jovem insignificante, inferior, desprezível.

Durante toda a minha, eu recebi esse tratamento de merda de todos nessa maldita cidade. Fui condenada pelas condições do meu nascimento antes mesmo de sair do ventre da minha mãe, antes mesmo de ter idade o suficiente para assimilar o mundo cruel em que eu vivia.

Minha mãe era nada mais do que uma prostituta viciada em ópio, refém da própria dependência e desejo. As únicas lembranças que tenho dela são tristes e conturbadas, marcadas a ferro pela violência e pobreza. Eu não me lembro de como era o seu rosto ou o seu sorriso, ou mesmo como eram as linhas do seu corpo e a cor do seu cabelo, mas os seus olhos vidrados por causa do vício são uma cicatriz permanente na minha alma, impossíveis de serem esquecidas, não importa o quanto eu me esforce. Sempre que ela entrava em abstinência da droga, seus olhos ficavam arregalados de forma medonha, tão vermelhos e inchados quanto um tomate maduro, suas feições semelhantes a de um demônio. Era uma imagem assustadora de se ver, que sempre fazia meus membros estremecem de medo pelas agressões físicas e verbais que eu sabia que ela me faria passar mais tarde.

Não convivi muitos anos da minha vida com a minha genitora, e os quais passei, ela estava muito ocupada arranjando dinheiro para se entorpecer para se lembrar que tinha uma filha, mas mesmo assim um amargor terrível enche a minha boca quando penso naquela que eu chamava de mãe.

Conforme os anos passavam, ela deixava cada vez mais claro que eu não passava de um estorvo na sua vida, apenas um peso inútil para carregar e alimentar. Sempre me esforcei para não aumentar o seu ódio por mim, me mantendo sempre obediente e compreensiva durante a infância. Mas isso nunca foi suficiente. Nada jamais seria para ela.

Quando eu tinha 10 anos, ela teve a crise mais violenta de todas, um momento que ficou marcado em brasa nos meus pensamentos. Durante uma noite de trabalho, ela chegou em casa alucinada, complemente dominada pela raiva. Tudo em mim a irritava, absolutamente tudo que eu fazia para a agradar despertava apenas ódio nela. Evangeline me via como uma rival, um pequeno verme que vivia sob seu teto caindo aos pedaços, uma vagabunda que queria roubar tudo que era dela. Um lembrete amargo de que ela estava envelhecendo.

Ela me acusou de roubar seus clientes no bordel, de usar magia para sugar sua beleza e toma-la para mim, de estar roubando seu dinheiro escondida e tentar sujar sua reputação como puta para tomar o seu lugar. Naquela noite, Evangeline me deu a pior surra de toda a minha vida sem nenhuma razão aparente além do ódio irracional contra mim, me espancando até a inconsciência, até eu implorar à Deusa para morrer naquele momento. Foi doloroso, assustador e dilacerante.

E doeu mais do que tudo perceber que não era nada para a única pessoa que eu tinha no mundo.

Esse dia foi o mais significativo da minha vida, quando eu percebi que absolutamente nada que eu faria iria ser o bastante para minha genitora gostar de mim, nada faria com que com ela me amasse. Ela me levou até o limite da minha sanidade, partiu o último fio de esperança que restava em mim, deixando apenas a escuridão na minha vida.

Minha mãe me vendeu para um bordel na manhã seguinte por um valor insignificante, alegando que não criaria mais uma vadia ingrata e mesquinha como eu. Essa é a última memória que tenho dela, e ainda dói como uma facada quando me lembro do tom de escárnio marcando cada palavra de saia da boca dela, o desprezo.

herdeira de fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora