- Eu tenho mesmo que ir? - Perguntei a minha mãe pela décima vez naquele mesmo dia.- Já conversamos sobre isso, Amberly. - Ela respondeu paciente, olhando fixamente pra carruagem luxuosa que em breve me levaria pra longe.
- E nenhuma dessas conversas levou a lugar algum. - Murmurrei tirando um fio de sujeira inexistente da saia do vestido e bufei de impaciência.
- Rainhas não bufão, Amberly. - Mamãe corrigiu se aproximando e passou um dos dedos pálidos e magros pela minha bochecha, num gesto que deveria ser sido reconfortante, mas apenas me lembrou do que me aguardava.
Desconhecido. Insegurança. Sacrifício.
Mamãe já foi bela quando nova, muito bela por sinal. Seus olhos verdes já foram alegres e cheios de vida, sua pele rosada já foi lisa e brilhante, e seu sorriso que antes refletia esperança, agora não passa de um sussurro.
Papai conseguiu sugar toda a vida que havia nela antes de morrer.
Passei a vida inteira desprezando o casamento dos meus pais, mas aqui estou eu, pronta pra abandonar minha nação e me casar com um estranho.
Eu sou uma rainha. Sou a única herdeira de um dos maiores impérios do continente. Essa posição deveria me dar algum direito de escolha, mas ao invés disso, apenas me consede uma posição prestigiada de égua reprodutora.
A ironia da situação é realmente cruel.
- Rainhas também não reviram os olhos, querida. - Corrigiu mamãe novamente.
- Eu sei, não farei mais isso. - Sussurrei em resposta e fechei os olhos afundando a cabeça na curva do seu pescoço magro.
Perdi a noção de quanto tempo eu e minha mãe ficamos abraçadas, mas não me importei. Esse pode ser o último abraço que ela me dá, pode ser a última vez que vejo minha mãe e meu país. Não posso desperdiçar esses momentos pensando em algo tão inevitável como o tempo.
Mamãe estava fraca, mas isso não a impediu de me abraçar mais forte quando sentiu que nosso tempo estava acabando.
Seria o fim do nosso convívio. Ela estava perdendo o seu bebê para sempre.Até recentemente não havia me acorrido que mamãe estaria tão assustada quanto eu com essa situação.
- Eu entendo, Amber. - Começou com a voz falha e passou um dos dedos na minha bochecha, secando uma lágrima silenciosa que escorria. Uma grande parte minha se perguntava se ela realmente entendia o tamanho do que eu estava abrindo mão, do quanto estava perdendo. - Entendo o quanto é difícil abandonar sua terra natal, sua família e amigos, abrir mão dos seus sonhos e atravessar o oceano pra se casar com um completo desconhecido. Eu entendo sua dor, minha pequena. Eu também passei por isso, mas eu não era uma rainha e não havia uma guerra acontecendo. - Sussurrou com a voz falha, e pude sentir suas lágrimas quentes no meu cabelo. - Mas eu quero que saiba que seja onde estiver, sua essência e seu coração nunca vão mudar. Isso não é algo que eles podem tirar de você. Onde quer que vá, esse vai continuar sendo o seu povo, esse vai continuar sendo seu país, parte da sua vida, junto de toda luz, juventude e esperança que carrega no coração, Amber. Não deixe que eles tirem sua essência, minha pequena. Não deixem que eles te mudem, que apaguem o fogo e determinação que arde em você. Não permita que te domem, minha herdeira de fogo. Você é uma rainha, e não importa o que eles dizem, você nasceu pra governar. Não deixe que te tirem esse direito.
- Não sei como fazer isso, mamãe. Não faço a mínima ideia de como me manter intacta. - Admiti com lágrimas descendo livremente pelo meu rosto.
Uma coisa é saber que sou uma covarde, que não tenho controle de nada, que estou com medo. Mas adimitir é como tornar todos os meus terrores reais.
- Prometa, Amberly. Prometa que não vai deixá-los tirar de você quem é. Prometa não deixá-los tomar Lores nem sua alma.
O aperto dela em volta do meu corpo ficou ainda mais apertado, mais urgente, necessitado.
- Eu... Eu não posso. Estou apavorada. Não sei o que estou fazendo, não tenho controle disso, mãe.
Com o queixo erguido e a graça de uma rainha, ela me soltou e olhou no fundo dos meus olhos. Mamãe pegou algo em um bolso escondido em seu vestido, e depositou carinhosamente nas minhas mãos.
Era um colar de chamas douradas encrustadas de topázios de diferentes tonalidades, passado de geração em geração entre as mulheres da dinastia Bovary. Era realmente uma jóia magnífica, e meu coração se encheu de felicidade por receber algo tão valioso.
- Seu nome é Amberly Cornélia Valois Bovary III, e não terá medo. Você irá se casar com Sebastian, pelo seu povo, pela sua fé, por Lores. Você é a esperança de uma nação, e não nos desapontará. Agora prometa. - Ela falou com a voz carregada de emoção e uma determinação que há muito tempo eu não via nela. Mamãe estava tentando o seu melhor para me passar segurança.
De alguma forma, a força no seu olhar conseguiu me passar um pouco de confiança.
Eu vi, mesmo que por alguns segundos, o fogo nos seus olhos. O mesmo fogo que queima nos meus.
O fogo de uma rainha.
E eu me senti pior, muito pior.
Aquele era meu povo, aquele era meu reino, meu lugar. E de alguma forma parecia que era errado eu simplesmente abandonar tudo aquilo.Mas isso era tudo que eu podia fazer. Tudo que podia fazer por eles, pela minha mãe, meu reino.
Temer como uma garotinha assustada não vai me levar a lugar algum.Se vou entrar naquele ninho de cobras, que seja de cabeça erquida.
Medo e incerteza são sentimentos que tenho que ignorar no momento. Por Lores, meu país, eu posso ignorar lidar com essas emoções.
- Eu, Amberly Cornélia Valois Bovary III, prometo que nunca vou deixar tirarem de mim quem sou. Por Lores, pelo meu povo, pelo meu trono e todos que amo. - Disse com a voz rouca pelo choro e afundei mais meu rosto em seu pescoço.
Ao me afastar um pouco do seu toque pra olhar seu rosto, eu pude ver em meio a todas aquelas lágrimas, a confiança e a fé que minha mãe estava depositando em mim, pude ver um vislumbre daquele olhar que há tanto tempo ela não tinha, o sentimento que a tanto tempo não via.Esperança. A crença em um novo começo.
As coisas vão dar certo para mim. Elas tem que dar.
E ali, em meio a toda insegurança e caos dos meus sentimentos, eu só tive uma certeza.
Eu sou Amberly Cornélia Valois Bovary III, e não terei medo.
Pela minha fé, pelo meu povo, por Lores. Eu não terei medo.
Por eles, pelos que amo e pela minha coroa, eu posso fazer isso.
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herdeira de fogo
FantasyApós perder o pai, Amberly finalmente se tornou rainha. Mas ela não herdou o reino que esperava. Com uma ameaça de guerra batendo na porta da recém coroada, ela se vê sem escolhas a não ser buscar por uma aliança com um país vizinho, a fim de garant...