capítulo 15

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Adentrei a sala do trono em completo silêncio, minha respiração travada na garganta como se eu fosse incapaz de respirar por conta própria. Não ousei dizer uma palavra enquanto me movia, meus passos lentos e incertos como os de uma presa tentando passar despercebida por um predador.

A porta atrás de mim se fechou em um estrondo, meu corpo quase cedendo ao susto e demonstrando essa vulnerabilidade.

O rei das sombras continuou me encarando enquanto eu andava, seus olhos brilhantes não se desviando dos meus por um segundo sequer enquanto eu me aproximação. Parei exatamente no centro da sala grandiosa, temendo chegar perto demais da figura sombria e ser consumida pelo seu poder, apenas mais uma vítima da sua magia inebriante e terrível. Minha voz permaneceu muda por minutos intermináveis enquanto travavamos uma batalha silenciosa com os olhos, minha atenção fixa nos seus traços esculpidos.

- Vejo que continua tão bem educada quanto da última vez que a vi, Incendiária. A etiqueta dos humanos é realmente algo lamentável. - Ele foi o primeiro a falar, sua voz coberta de escárnio, o desprezo pontuando cada sílaba.

A surpresa me atingiu por alguns segundos, minha mente se perguntando se todas as lendas a respeito de deuses eram verdadeiras. Eles não deveriam se importar com a etiqueta, muito menos com costumes humanos como nossos hábitos. Mas algo em seu tom me lembrava muito a aristocracia mortal.

Mas até algumas semanas eu sequer poderia imaginar que viria parar no submundo, então quem sou eu para assumir coisas sobre deuses?

- Vossa majestade. - Eu finalmente cumprimentei, minha cabeça se curvando em uma reverência. Eu não ousaria irritar o deus patrono dos domínios da morte, não quando tenho a intenção de permanecer viva.

- Parece que temos negócios a tratar, Incendiária. - Ele disse com indiferença, como se a minha presença fosse apenas um mero incômodo. Não tomei a iniciativa de dizer nenhuma palavra, meu senso de autopreservação clamando para eu falar o quanto menos possível. - Você com certeza tem perguntas, as quais talvez obterá resposta mais tarde. Por hora, falarei apenas o necessário para o seu entendimento limitado, de como que você não precisará se preocupar muito em interpretar.

A chama vermelha da raiva ardeu no meu peito com o desprezo com o qual as palavras saíam de sua boca, mas a suprimi e permaneci quieta, apenas uma ouvinte paciente.

- Você tem poder, minha querida. Muito dele. É por isso que veio parar aqui, caso essa seja uma das suas perguntas. - Ele continuou, suas palavras simples e objetivas como se estivesse falando para uma criança.

As engrenagens da minha mente giravam, tentando desesperadamente absorver suas palavras. Eu era vista como alguém poderosa aos olhos de um deus, isso não é algo fácil de assimilar.

Meus lábios se comprimiram nervosamente, tentando impedir a mim mesma de dizer algo e estúpido e parecer uma tremenda tola.

- Alguns humanos simplesmente nascem com magia, mas não em tanta abundância. Jamais presenciei algum mortal que tivesse tamanho potencial de destruição, devo ressaltar. Você é um caso a ser estudado, Incendiária.

- Um caso a ser estudado? - Eu não pude me impedir de perguntar, a frase escorrendo da minha boca antes que eu pudesse conter.

- Um caso raro, Incendiária. Um que é perigoso para você mesma e a todos ao seu redor. - Ele respondeu, sua boca se repuxando em um sorriso frio. - Você é um grande barril de pólvora ambulante, minha cara. Prestes a estourar a qualquer momento, levando tudo nas proximidades com você.

Um forte desconforto se alojou no meu peito, as informações se revirando dentro de mim de forma dolorosa.

Então era por isso que eu quase explodi todo o palacio durante a minha primeira crise, por isso que quase matei todos naquele lugar e deixei a força desconhecida assumir o controle, por isso que quase me perdi na magia.

Aquilo não era simplesmente poder, não poderia ser. Era uma maldição, algum tipo de punição da Deusa por todos os meus pecados nessa e em outras vidas.

- Você tem poder demais e nenhum autocontrole, Incendiária. É por isso que está aqui. Você é perigosa demais para ser deixada solta por aí.

Meus olhos arderem com a constatação, uma dor familiar se alastrando pelo meu corpo todo, me lembrando de todos os momentos em que não fui o suficiente.

Eu falhei com todos os que amo. Todos.

A aliança entre Lores e Rosália jamais aconteceria, os meus planos de mudar as coisas para o meu reino jamais se concretizariam e então Delfhiws venceria a guerra, subjugando o meu povo e assassinando nossa cultura. Eu falhei com a mamãe e as esperanças que ela tinha em mim.

E tudo isso porque sou um monstro amaldiçoado incapaz de se controlar.

Os opositores estavam certos, eu jamais devia ter subido ao trono. Se isso não tivesse acontecido, talvez ainda houvesse a possibilidade de manter Lores segura. Mas isso não aconteceu, e agora todo o caos que se espalhara pelo continente será totalmente minha culpa.

Fogo crepitante estalou dentro de mim, dobrando os meus joelhos se dobrando e cortando o meu ar. Uma dor alucinante e já conhecida se espalhou pela minha corrente sanguínea, me fazendo arfar em desalento. O calor se alastrou pelo cômodo, cobrindo tudo como se o ouro não passasse de papel.

Os sussuros na minha cabeça eram insuportáveis, uma tortura muito além do sofrimento físico. Louca. Eu era louca e desequilibrada, e isso me custou tudo.

As vozes apenas amplificavam tudo que eu sentia, como o eco de uma caverna, atormentando os meus pensamentos. O luto era demais, tudo o que eu sentia era forte demais para ser contido.

Os sussuros me diziam que eu jamais seria suficiente, que nada que eu fizesse seria, não importa o quanto eu tente. Eles não se calavam por um segundo, uma voz por cima da outra em uma sinfonia de horror e medo.

Usando todas as minhas forças, eu ergui o meu olhar para o rei, meus olhos cansados procurando um desafio.

O deus sombrio apenas me encarava sem expressão, seu semblante complemente indiferente enquanto eu me retorcia de agonia. Um dos lados de seu rosto se ergueu em um sorriso sádico, me observando com seu desprezo tão habitual. Uma das duas mãos se ergueram, fazendo sombras dançantes se materializarem e cobrirem a sala, sufocando o meu poder como o incêndio não passasse da chama se uma vela.

O alívio foi imediato, a dor e as vozes cessando dentro de mim como se nunca estivessem estado lá. 

Um suspiro exausto deixou os meus lábios arfantes, meu corpo ainda muito dolorido pela crise, mas meus olhos não deixaram os seus por um segundo, o desafiando a me olhar de volta, a enxergar o desastre por trás das minhas íris, o caos que exalava dos meus poros.

- Como eu disse, perigosa demais para ser deixada em qualquer lugar. - Ele disse após minutos intermináveis, sua voz soando como nada além de entediado enquanto se levantava do seu trono estoico e imponente. - Esteja pronta amanhã ao mesmo horário de hoje para receber aulas de como controlar essa catástrofe que tem em mãos. Por hoje, está dispensada, Incendiária.

herdeira de fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora