capítulo 12

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Blair

Uma bagunça tremenda era tudo que restou dos meus pensamentos depois que eu deixei aquela carruagem, completamente desnorteada com o que me foi dito. Caminhei até meu trabalho confusa e aérea, minha mente lutando para assimilar tudo que escutei.

Eu cheguei no bordel em modo automático, mecânico, minha consciência enfiada em um lugar distante no momento.
Uma das prostituas favorita da madame veio me confrontar sobre o atraso assim que passei pela porta dos fundos, mas eu mal consegui prestar atenção às suas palavras. Meu foco estava todo no que aquela dama me propôs, sem espaço para mais nenhuma preocupação no momento.

Eu, uma prostituta pobre e sem perspectivas, me passar por uma rainha e ainda receber uma fortuna por isso. Era demais para acreditar.

Aquilo era absurdo, era ultrajante e perigoso, muito perigoso. Mas ao mesmo tempo, me ascendeu uma centelha de esperança que poderia funcionar, mesmo que por pouco tempo. Isso era muito mais do que eu poderia sequer sonhar.

A jovem nobre me garantiu que me pagaria muito bem pelo serviço, muito mais dinheiro do que teria visto em toda a minha vida. Era uma oportunidade de ouro, irrecusável. Que se dane a prudência, isso ainda parece ser muito melhor que do o estado atual da minha vida. Qualquer coisa parecida melhor do que isso.

A chance da minha vida havia acabado de ser jogada no meu colo, e eu não iria a desperdiçar.

Lady Caroline, a aristocrata que me sequestrou, queria que eu partisse com ela imediatamente. Mas eu tinha algumas coisas pendentes para resolver no bordel, então implorei para poder retornar por algumas horas. Ela deixou que eu voltasse, mas com a condição que dois de seus homens ficaria vigiando os arredores do bordel, atentos caso eu resolvesse não cooperar com o plano dela.

Eu ignorei Lacy com sucesso, virando as costas para ela e sua tagarelice incessante e subindo direto para o escritório de Madame Leonor. Eu tinha alguns assuntos a serem resolvidos Imediatamente com ela.

Quando entrei bruscamente no escritório de decoração cafona e com cheiro de perfume barato, me deparei com uma Madame Leonor zangada e com cara de poucos amigos, de pé próxima da sua mesa e olhando na minha direção com uma fúria palpável.

Sem me deixar intimidar pela minha patroa, joguei o saco que carregava nas mãos direto na sua mesa sem cerimônia alguma, minha postura orgulhosamente ereta e altiva.

- Mas o que você pensa até está... - A velha começou a falar, mas sua voz logo morreu quando viu o que eu havia acabado de despejar no móvel. Mais dinheiro do que ela já havia visto reunido caia pelo chão do seu escritório, o barulho metálico de dezenas de moedas de ouro caindo furiosamente de dentro do saco que as carregava e escorrendo de encontro ao piso.

Madame Leonor encarava o dinheiro assombrada, surpresa pelo meu ato. Ela ficou assim por minutos inteiros, muito aturdida para ter qualquer outra reação.

- O que isso significa, garota? - Ela finalmente perguntou, seus olhos desconfiados cravados nos meus como adagas.

- Minha liberdade, Madame Leonor. Eu estou pegando pela minha liberdade. - Eu respondi com confiança, obrigando a minha voz a não falhar de maneira nenhuma. Mantive o queixo firme e erguido conforme ela me analisava, seu olhar de desprezo varrendo cada canto do meu corpo, enviando ondas de nervosismo diretamente pro meu cérebro.

Lady Caroline havia me dado um adiantamento como um estímulo para me convencer a ajudá-la de boa vontade, alguns trocados pra ela mas que pra mim significavam mais do que 10 anos inteiros do meu trabalho. A quantia era muito mais do que o suficiente para pagar as minhas dívidas, com juros e tudo.

- Não sei de onde veio esse dinheiro, garota, e também não tenho interesse em saber. Apenas me mantenha fora dos seus negócios e leve seus trapos e a sua carcaça para fora do meu estabelecimento.  - Madame Leonor instruiu com rispidez, sua voz soando desgostosa.

Fechei os meus olhos com o alívio que inundou meu peito, mas não permiti que o ar que estava prendendo os meus pulmões se soltasse complemente. Ainda havia mais uma questão urgente para sanar.

- Mais uma coisa, Madame. Daisy vira embora comigo, e não há negociações acerca disso. - Falei com convicção, tentando transparecer o máximo de confiança naquele momento.

A velha cafetina apenas assentiu de sua mesa, ocupada demais com a pequena fortuna que acabou de ganhar para se importar com o destino de uma prostituta qualquer.

Reunindo toda a minha dignidade refém conquistada, eu deixei o escritório que por tantos anos eu temi como a morte, meu coração galopando violentamente no meu corpo com a euforia do momento.

Uma nova fase da minha vida estava prestes a ter início, e eu faria o possível para garantir que essa história não desabasse em cima de mim.

Liberdade, Liberdade, Liberdade, eu repeti na minha mente incessantemente, perdida em suas letras e sílabas. Essa é realmente uma palavra muito saborosa, e eu não abriria mão desse doce tão cedo.

[ ... ]

Um veículo velho e maltrapilho nos esperava exatamente no ponto de encontro que eu havia combinado com Lady Caroline, encostado num canto discreto em frente a praça principal da cidade.

Após ter reivindicado a minha liberdade, eu fui em busca da minha única amiga nesse mundo para partir comigo. Nós somos amigas desde os quatorze anos, quando ela foi vendida para o bordel pelo seus pais em troca de algumas moedas de prata. Ela foi a única das garotas que me tratou com o mínimo de gentileza e consideração em todos esses anos, e logo formamos uma forte ligação uma com a outra, um laço inquebrável de amizade.

Daisy era a única pessoa nesse mundo que ainda importava para mim, e eu era a única que importava para ela. Nós somos assim, sempre cuidando uma da outra, tentando suprir a falta de afeto de uma vida inteira, apenas duas prostitutas moribundas unidas contra o mundo todo.

Eu não poderia deixá-la, e eu jamais faria isso. Ela é minha melhor amiga nesse mundo, afinal de contas. Era a última pessoa que amava.

Um dos homens da aristocrata havia nos escoltado até o lugar indicado, garantindo que nada ruim acontecesse comigo, uma peça fundamental no plano da sua patroa. Ele deixou eu e Daisy em segurança em frente a carruagem e se retirou para as sombras, nos vigiando de uma distância segura.

Apenas o cocheiro nos aguardava no veículo de aspecto antigo, um senhor de idade carrancudo e silencioso. Nenhuma palavra foi dita enquanto estavamos no veículo, os olhos do senhor fixos na rua, sem se virar em momento algum para nós duas. A viajem até a estalagem que Lady Caroline nos hospedaria foi rápida e sem dificuldades, não dando o tempo necessário pasa meus nervos se acalmaram complemente, meu coração ainda desenfreado.

A jovem nobre havia me instruído a permanecer nessa pousada por algumas semanas, onde seria ensinada por seus subordinados sobre como eu devo me portar e o que devo  fazer e falar. Seria um treinamento exaustivo e intenso, onde modos e costumes da realeza seriam gravados na minha cabeça como ferro em brasa, uma máscara cuidadosamente construída num espaço limitado de tempo.

Nesse momento, parada em frente a uma pousada cara e elegante na qual eu jamais conseguiria entrar com a vida que deixei para trás, eu me perguntei se eu seria capaz de fazer isso, se eu realmente iria conseguir sobreviver nessa situação.

A resposta dessa questão é uma incógnita, mas eu continuarei lutando para garantir a minha sobrevivência, dessa vez com ainda mais afinco e determinação. Afinal de contas, não é todo dia que os deuses conspiram à seu favor dessa forma.

As pessoas costumam dizer que pessoas que não tem nada a perder são perigosas, mas elas ainda não haviam se dado conta do quanto alguém que nunca teve nada e passou a ter tudo pode ser letal. Eu aprenderia todas essas regras e tradições estúpidas da nobreza, e então iria me lançar para o mar de víboras que era o palácio, de cabeça erguida e armada até os dentes de imponência, esmagando todos aqueles que me representem uma ameaça.

Eu vou agarrar essa chance com todas as minhas forças e não irei deixar ninguém tirá-la de mim. Eu irei sobreviver, custe o que custar.

herdeira de fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora