38 | a estrada.

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- Eu sinto muito, meu amor.

Foi o que eu disse ao Enrico, observando os seus olhinhos azuis espantados e com medo do próprio irmão e assim como todo o restante, sem acreditar no que tinha acabado de acontecer diante de suas vistas, nem mesmo aqueles que o conhecem a muito mais tempo que eu. No exato instante em que Dylan acertou em cheio um soco na mandíbula de Adam, ele agarrou-se fortemente ao meu corpo imóvel e pude senti-lo tremendo de pavor contra mim.

Eu estava assustada. Imensamente, assustada, para não dizer em choque. Nem nos meus piores pesadelos, eu imaginaria que Dylan fosse socar a cara do padrasto com tanto ódio, como se não existisse nada de bom ao seu redor, nem sequer a mim. Ele gritou, esbravejou com a própria mãe até ficar sem voz, a xingou de mentirosa e não conteve as lágrimas, enquanto fazia aquilo. Não faço ideia do que ele encontrou de tão ruim naquele laudo, afinal mal consegui prestar atenção no que ele dizia, de tanto pânico.

A noite deveria ter sido boa, não tanto para mim que luto contra os meus piores pensamentos negativos, no entanto deveria ser para os Williams. Eles me acolheram com tanto carinho logo que me conheceram, fizeram com que eu me sentisse amada e parte da família como poucos haviam feito. Ao meu ver, eram uma família perfeita, por mais que carregassem cicatrizes duradouras por uma perda fatal. Hoje pude perceber que, até os mais gentis, também carregam consigo o outro lado da moeda. Um lado frio, desolador e triste. Quando dizem que não existe família perfeita, é verdade.

Entretanto, a verdade que Dylan descobriu antes de acabar com tudo, não foi libertadora, mas sim um acerto de contas. O meu queixo caiu quando o meu namorado foi para cima do padrasto, e Adam que não tinha culpa de nada, não se conteve ao revidar e a partir dali, a confusão tomou o lar tranquilo. Susan e Agnella, felizmente, conseguiram intervir e Dylan assim que teve a chance, atravessou a porta da frente, espumando pelos cantos da boca, sendo tomado pela ira. E eu, incapaz de dizer algo, fui atrás dele.

As pessoas costumam resmungar palavrões sujos quando estão com raiva, ao invés disso, ele não digeriu uma palavra ao entrar no carro. Não é uma boa ideia dirigir nesse estado calamitoso, mas Dylan está enfurecido e se continuar por mais tempo na casa de sua mãe, é capaz de cometer loucuras e eu não vou participar de um absurdo desses. Não tive coragem de ser a primeira a falar algo, ou perguntar se ele queria desabafar como faço todas as vezes, somente me sentei no banco do carona e fechei o cinto.

Na primeira meia hora que passou, nenhum de nós tentou puxar assunto e confesso que eu sentia um aperto no estômago só de pensar em me manifestar. Ficamos presos num completo silêncio desconfortável ao longo do caminho, o que apenas me restou foi observar a paisagem pela janela e contar quantas árvores nós já havíamos deixado para trás. Ainda faltam mais uma hora e trinta minutos adiante e eu continuo torcendo para que não aconteça outra catástrofe até chegarmos em casa. Eu uni as mãos sob o colo, arriscando dar uma olhadinha em Dylan enquanto dirigia, antes de voltar a pensar se valeria a pena puxar algum assunto.

- Qual é a sua grande ideia? - indaguei, o mesmo se remexeu no banco. - Tem algum plano em mente? - ele não respondeu.

Droga... Realmente não foi uma boa ideia. Eu cruzei os braços em torno do corpo, tentando me aquecer contra o ar fresco que vinha da janela aberta do lado do motorista, a qual eu não estava disposta a tentar fechar e olhar para o rosto frio dele. Ele já tinha me dito uma vez que quando está com raiva, costuma perder a cabeça, caso não consiga controlar os próprios sentimentos. No entanto, não imaginei que fosse tanto quanto o ocorrido dessa noite e nem que o Dylan certinho que eu conheço, aquele que gera gentileza por onde passa, seria capaz de brigar como troglodita.

Não desisti e ousei lhe perguntar:

- O que você achou naqueles papéis?

Ao invés de me responder ou resmungar algum palavrão, Dylan ficou cada vez mais tenso, encostando as costas no banco de couro preto. Tentei prestar atenção no modo em que ele pegava na direção, em como os seus dedos compridos se empalideceram ao forçar o volante e os mesmos olhos azuis que tanto me encanta, ficarem fixos na estrada logo em frente. Só pude perceber o que estava acontecendo quando o ar gelado noturno começou a tocar com força o meu rosto. Nós dois estávamos em alta velocidade.

ᴍᴇ, ʏᴏᴜ ᴀɴᴅ ᴏᴜʀ ʟᴏᴠᴇʀs (3)Onde histórias criam vida. Descubra agora