Três

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- Como está sendo a escola? Você ainda não comentou nada e já está estudando há um mês - comentou meu pai. Não estava chateado, apenas curioso mesmo. Eu é que não estava num bom dia. Ou numa boa vida, se parar pra pensar demais.

- Ah. Tem sido legal. As mesmas pessoas, os mesmos professores, a mesma comida - brinquei. Hoje eu tinha feito almôndegas pro jantar, meu pai contribuiu preparando um pavê, que nesse momento eu estava devorando vergonhosamente como um animal, de tão bom.

Meu pai era ótimo na cozinha.

- Entendi. E a natação? - Contive um suspiro. Sempre as mesmas perguntas. Como se fôssemos dois robôs. Eu sei que ele só estava exercendo seu papel de pai, eu juro, mas, meu Deus, por que não podemos simplesmente conversar como duas pessoas normais?

Porque você não sabe conversar. Lembra, Júlia?

E de quem é a culpa?

Cala a boca, Júlia.

- Filha?

Pisquei.

- Está indo bem, pai. Tudo está indo bem. - Levanto da mesa, me sentindo sufocada de repente. - Me desculpa, eu preciso... eu vou dar uma volta.

- Agora de noite? - Franziu o cenho, preocupado. - Está tudo bem?

Desviei os olhos.

- Sim. Ótimo. Só preciso dar uma volta.

Percebi que ele queria dizer algo. Sempre percebo. Mas, como sempre, ele escolheu o silêncio. Como eu odeio isso.

Às vezes, conversar com meu pai era simples. Outras, nem tanto. Não sei o que está acontecendo comigo. Às vezes sinto que sou apenas mais uma paciente pra ele. Alguém que ele precisa analisar. Consertar.

Deve ser a TPM. Ou só uma fase da adolescência. Tenho quase dezessete anos, caramba! Se sentir um lixo deve ser normal. Odiar todo mundo deve ser normal.

Não é?

Desci as escadas de dois em dois. Não estava com paciência para o elevador. Pensei em ligar para a Helena, mas logo me dei conta de que não queria. Não queria ninguém próximo demais de mim. Ela não iria entender.

Sou inconstante. Ninguém nunca vai entender. Nem eu entendo.

Depois Que Eu Te ConheciOnde histórias criam vida. Descubra agora