Cinco

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Depois de uma semana, meu celular tocou. Era Helena.

- Alô.

- O que você tem?

Sua voz continha raiva.

- Nada.

- Você mal está falando comigo na escola. Nem nos treinos. É como se eu nem existisse.

- Desculpe.

- Desculpe, Júlia?

- O que você quer que eu diga? Eu sempre fui assim. Nunca fui de conversar muito com as pessoas.

Pude sentir sua raiva através do celular.

- Eu não sou qualquer pessoa, se lembra?

Fiquei calada.

- Se você tem um problema, você conta aos amigos.

- Eu não tenho amigos.

- E o que eu sou, porra?

Engoli em seco. Não sei. Não sei o que você é, Helena.

- Você pode conversar comigo - era quase um pedido.

Olhei para os meus pés. Eu não consigo conversar. Meus olhos se encheram de lágrimas.

- Preciso sair.

- Passa no café.

- Vou pensar.

Desliguei e enxuguei os olhos.

Meu pai descia as escadas enquanto eu calçava os tênis.

- Vai encontrar com alguém?

- Uma amiga. - Era estranho falar aquilo.

- Uma amiga?

- Da escola. E do time. - Não sei por quê, mas tinha que dizer isso. - No Cafélix. Ela trabalha lá.

- Estudei com o Félix Rocha no ensino médio -  disse ele, coçando a barba. Eu não sabia dessa informação. - É um cara gente boa.

- Félix é nome de gato - ele riu, estava claro que concordava.

- Nós não temos gato - pontuei.

- Sua mãe era alérgica.

Nos encaramos. Havia um diálogo implícito na nossa troca de olhares.

"Ela não está mais aqui, pai."

"Eu sei, mas..."

"Mas, se trouxermos um gato, isso vai ficar evidente."

Dei o último nó no cadarço e fiquei em pé. Ele pareceu acordar de um transe.

- Mas se você quiser um...

- Tudo bem, pai. - Falei. - Não precisamos de um.

Fui até ele e lhe dei um abraço desajeitado. Havia sido uma semana estranha e silenciosa. Comigo na escola e ele no trabalho, mal nos víamos. Essa abraço era uma trégua. Estávamos bem. Tudo ficaria bem. Deus, por favor, que tudo fique bem.

Depois Que Eu Te ConheciOnde histórias criam vida. Descubra agora