O jantar era lasanha, como todo sábado. O silêncio reinava, até meu pai o quebrar.
- Faltam oito dias para as aulas recomeçarem.
Não era uma pergunta.
- Estou ciente.
- Ansiosa?
Suspirei. Okay, ele quer conversar. Acha importante que eu expresse meus sentimentos. Mas eu não quero, nem gosto de expressar meus sentimentos. Afinal, eu nem sei que sentimentos existem aqui dentro. Apenas responda, idiota.
- Na verdade, estou mais ansiosa por causa do time - respondi, com sinceridade.
Eu faço parte do clube de natação feminino da escola. Não chega a ser grande coisa (é o Brasil, afinal, as pessoas só querem saber de futebol), mas é importante pra mim. E sou, de longe, a melhor do time, e não digo isso para me gabar, é apenas um fato. Não faço questão de ser a melhor, apenas sou. Simples assim, sem grandes segredos. Quando você nasce filha da melhor nadadora da cidade fica difícil não ser boa nisso.
Mas não gosto de ser o centro das atenções, e quando fui convidada para ser capitã do time no penúltimo treino antes das férias, recusei sem pestanejar. O treinador ficou furioso. Eu havia conseguido evitá-lo o dia inteiro, mas no fim ele me achou.
- Você é uma líder nata - argumentou, quando falei "não".
- Não, eu não sou. - E era verdade. - Eu nem entendo nada de liderança. Dê a função para a Lisandra. Ela sonha com isso desde a oitava série.
Ele bufou como se eu estivesse falando a coisa mais besta que ele já ouviu.
- Ela não sabe nadar como você.
- Mas é líder de turma. É inteligente, esforçada e quer essa função. Como você disse, uma líder nata. Nomeie ela.
Não abri espaço para que ele argumentasse e pulei na piscina. Mais tarde, no fim do treino, ele anunciou a nova capitã do time. E não era eu. As meninas do time arregalaram os olhos, surpresas, menos eu.
Todas deram os parabéns para ela, mas seus olhos estavam em mim. E estavam desconfiados. Desviei os olhos, como se ela pudesse ler minha mente e descobrir que eu tinha algo a ver com aquilo. Eu sabia que isso não a deixaria feliz, porque, até onde se sabia, ela me odiava com todas as forças desde o jardim de infância. Sempre competindo comigo no esporte, mesmo fazendo parte do mesmo time.Nunca entendi exatamente o porquê desse ódio todo, mas também nunca me importei o suficiente para perguntar. Era até divertido. E acho que isso a deixava com ainda mais ódio de mim.
Nada disso a impediu de, no fim de novembro do primeiro ano, me puxar para o corredor dos armários, longe da festa que acontecia na quadra. Estava escuro, ninguém nos veria ali.
- Desembucha.
Resolvi bancar a pateta.
- Não sei do que você está falando.
Ela apertou meus braços com mais força, mas não era exatamente doloroso. Ela era bem mais baixa do que eu.
- Não se faça de sonsa. Sei muito bem que o treinador não tinha intenção nenhuma de me dar o título de capitã do time. Você é a protegida dele, afinal. - Ela cuspiu a última parte com desdém e contive a vontade de revirar os olhos. Eu fazia isso com frequência.
- Você conseguiu o que você queria, por que está me atormentando? - reclamei, achando toda aquela situação um tanto ridícula.
- Eu não gosto de você, Fernandes. - ela praticamente rosnou.
Ergui a sobrancelha.
- Bom, não é o que está parecendo - ironizei, olhando para seu aperto nos meus braços. Ela me soltou como se eu estivesse com alguma doença contagiosa.
- Se acha que vou te agradecer, está muito enganada. Ao contrário de você, eu mereço ser a capitã do time. Tô nem aí se a sua mãe era a estrela da natação na época dela. Ela não está mais aqui, afinal de contas.
Ela me encarou pra ver se tinha conseguido a reação que esperava, sorrindo satisfeita ao ver que meus olhos estavam cheios de lágrimas. Apertei os punhos, pronta pra desferir um gancho bem no queixo dela, mas uma voz me deteve.
- Tudo bem aí, gente?
Lisandra se afastou de mim.
- Tudo ótimo, fofa. - E olhou pra mim novamente, antes de voltar pra quadra.
- Tudo bem com você? - A garota perguntou.
Apertei a mandíbula, o sangue fervendo com o que eu tinha escutado. Não que a garota tivesse algo a ver com isso.
- Tudo. Me deixa em paz.
E saí em direção à piscina.
Naquele dia, somente naquele, eu senti muita, muita vontade de morrer afogada.
Acho que você já sabe o que aconteceu depois.
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Depois Que Eu Te Conheci
RomanceJúlia Fernandes só quer saber de nadar e mais nada. Reservada, ela procura nunca se envolver demais com as pessoas, e essa personalidade apenas se solidificou depois que a mãe morreu em um acidente, o que dificultou a relação com o seu pai, que, ape...