Doze

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- O que você acha desse vestido, Ju? - Lívia, uma colega do time, me perguntou. Estávamos todas na C&A. Do lado de fora do shopping o céu desabava em chuva. Eu já tinha escolhido umas camisas quadriculadas e shorts moletom (nada muito diferente do que eu estou usando nesse momento), enquanto as outras experimentavam dezenas de roupas diferentes e não se decidiam.

Tirei os olhos do celular. Eu fico entediada rápido.

- Bem legal - falei e ela revirou os olhos.

- Você disse isso dos outros dois vestidos!!!

E correu pro provador novamente.

- Mas é que eles realmente eram legais e... - cocei a nuca. - Poxa, Livs, não tinha pessoa pior pra você pedir opinião sobre vestidos. Você já me viu usando um? É porque eu não uso! - Abro os braços, exasperada.

Ouvi sua risada abafada pelo provador.

- Certo, você tem razão. Vou levar todos, mesmo.

Senti alguém se aproximando. Era Lisandra, segurando um cropped vermelho e outro azul. Me olhou dos pés à cabeça.

Abri um sorriso.

- Você também quer a minha opinião? - Pergunto. Ela desvia os olhos com desdém e entra em um dos provadores.

- Opinião da garota que se veste como um lenhador? Não, obrigada.

Eu, hein.

Resolvi dar uma volta enquanto todas se entretinham com vestidos e croppeds e sei-lá-mais-o-quê. Levantei os braços, me alongando, e soltei um gemido de alívio quando minhas costas estralaram.

Fiquei perambulando pelo shopping. Não tinha muita coisa, mas não era tão ruim. Pelo menos tinha cinema - algo muito, muito recente. Literalmente imploramos ao prefeito para conseguir.

Comprei um milkshake de morango (o melhor sabor, que fique claro) no Bob's e estacionei em uma poltrona qualquer. Estava considerando voltar quando notei uma silhueta familiar entrando na loja da frente.

Revirei os olhos. O destino está de brincadeira comigo. Ela. De novo. Não sei exatamente por quê, mas de repente estava caminhando em direção à loja. Quando pus os pés dentro, o cheiro de livros preencheu tudo ao redor, e respirei fundo, apreciando o aroma. Não que eu lesse muito. Na verdade, nem me lembro da última vez que pus os olhos em um livro que não fosse escolar. Leitura era mais coisa do meu pai.

Me dirigi até a pessoa que espiava a sessão de fantasia.

- E aí... - arrisquei, quase sussurrando. Eu nunca fui de chegar nas pessoas fora da escola e iniciar um diálogo. Acho que eu nunca fiz isso. Isso foi um erro. Por que estou aqui mesmo?

Para meu azar, ela se virou antes que eu pudesse sair correndo (eu sou bem capaz disso). Então sorriu, erguendo a sobrancelha, o modo como ela fazia isso sugeria que se tratava de um hábito. Sim, eu reparo nessas coisas. Eu sou filha de um psicólogo, pelo amor de Deus.

- Oi - seus olhos não conseguiam ficar parados, como se estivessem dançando na minha direção. - Tô vendo que dessa vez você não se molhou - brincou.

Ela tinha que falar aquilo.

- Pois é, eu cheguei antes de começar a chover - dei de ombros enquanto ela dava risada. Estava usando uma camisa do Harry Potter. Quis revirar os olhos. Que nerd.

Ficamos naquela mesma coisa de sorrir e não dizer nada e pus as mãos nos bolsos.

- Então, livros? - Apontei com o queixo para a pilha nos braços dela.

- Ah, isso? Pois é, tem bastante coisa - e em seguida se apressou em dizer: - Mas nem todos são pra mim, é claro.

- Ah.

- Pois é.

Sorriso desconfortável. Meu Deus, que desconfortável.

- Então, hum - limpo a garganta -, você por acaso é nova por aqui? Ou na escola? Eu não me lembro de você. - Ela fez uma careta.

- Tá brincando? Você não lembra de mim? A gente é da mesma turma desde, sei lá, os dez anos de idade.

- Quê? - Gritei, para em seguida sentir meu rosto ficar vermelho.

As pessoas olharam pra mim, curiosas, enquanto a garota na minha frente parecia incrédula.

- Meu Deus, Júlia. Você não lembra mesmo? Caraca. Eu vivia te emprestando lápis, porque você sempre perdia os seus. E você nunca me devolvia.

Meu Deus, eu quero morrer. Então ela é a pessoa que sempre me empresta lápis nas aulas. Eu tenho um sério problema com eles. Meus lápis - ou os dela, no caso - sempre desaparecem.

Me senti constrangida por algum motivo. A sensação de familiaridade com a voz dela, o fato de ela puxar assunto comigo no primeiro dia de aula, o impulso de ir até ela, tudo isso porque tecnicamente ela já me conhecia.

- Nossa, foi mal. Sério. Eu não falo muito com as pessoas da escola. Sinto, sei lá, que todo mundo sabe quem eu sou e eu não conheço ninguém.

Me calei de repente, mas já era tarde. Eu nunca disse essas coisas em voz alta. Me senti estranha.

Ela assentiu, concordando.

- Todo mundo de fato te conhece. Ou, pelo menos, sabem quem é você. Metade das pessoas até acham... - ela desviou os olhos, olhando para os próprios pés.

Meu coração deu um salto.

- Acham..?

Ela suspira.

- Que você é uma babaca esnobe, porque você não fala com ninguém.

Ergui as sobrancelhas. Seu rosto escureceu, provavelmente um sinal de que estava corando.

- Desculpe. Eu não deveria ter dito isso.

- Não, não, tudo bem - me apressei em dizer.

Aquela havia me pegado de surpresa. Na verdade, até acho que doeu um pouco, mesmo ela tendo dito isso suavemente. Quer dizer, eu sabia que era reservada. Mas não fazia ideia de que as pessoas pensavam isso de mim. Percebi que ela estava me encarando, como se estivesse tudo estampado na minha cara. A sensação não foi agradável e desviei os olhos. Não queria que parecesse que eu me importava.

- Então - limpo a garganta -, e a outra metade?

Ela riu um pouco.

- Relaxa. A outra metade não liga. É só um bando de gente curiosa sobre a garota que tenta ser invisível de propósito.

- E eu achando que estava fazendo um bom trabalho - sorri, envergonhada.

- Não, você não estava - ela riu de novo e, dessa vez, também ri um pouco. Então, inesperadamente, ela estendeu a mão.

- Prazer. Meu nome é Helena. Você me deve aproximadamente noventa e cinco lápis.

Soltei uma risada inesperada. Quem fazia isso? Quem aperta as mãos hoje em dia? Estendi a minha, incerta. Era maior. Tudo em mim parecia maior, já que ela era mais baixa.

- Prazer, Helena. Eu, hum, sou a Júlia - aquilo não combinava comigo. Soou forçado. Mas ela não se importou. - Júlia Fernandes.

- Eu sei! - riu ela. E eu ri. E rimos e rimos.

A partir desse dia, Helena e eu começamos a sair juntas e a conversar na escola. A gente saía pra tomar café no Cafélix, a cafeteria em que ela estava quando me ofereceu pra sair da chuva (episódio em que ela sempre morre de rir quando relembra). Acontece que ela trabalha lá como barista e é filha do proprietário (chique, né?).

Ela me fez provar café espresso - que eu odiei -, e eu tentei ensiná-la a andar de bicicleta - que ela odiou, mas pelo menos aprendeu. E nós saíamos de bicicleta pela cidade.

Ela me apresentou poesia e livros de ficção científica, e eu a ensinei sobre a natação e suas particularidades.

Ela era mais espontânea do que eu, como se houvesse uma felicidade dentro de si que eu não entendia completamente.

Mas invejava.

Depois Que Eu Te ConheciOnde histórias criam vida. Descubra agora