Capítulo 1: Eu me Apaixonei pela Pessoa Errada - Exaltasamba.

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Aziraphale sempre buscou a alegria da vida nas coisas simples. Ele amava o cotidiano, e se sentia conectado com o mundo nas coisas que a maioria das pessoas passa rápido demais, com medo de perder a hora ou se atrasar. Amava preparar seu chá todos os dias, sentir o vapor da água em seu rosto enquanto despejava o líquido na xícara – amava sentir o aroma do chá se espalhando pela casa, amava escolher a dedo qual alimento o acompanharia no chá (às vezes uma coxinha, outras um pão com ovo, às vezes um croissant...). Mas uma das coisas que mais traziam alegria era, definitivamente, ouvir música enquanto se arrumava para o trabalho.

Ele abria sua livraria às 08:00 em ponto e, para não se atrasar mas ainda ter tempo de saborear sua rotina matinal, ele acordava às 06:00. É importante ressaltar que, embora seja de certa maneira desconfortável, não havia no contrato do prédio um horário em que o barulho devesse ser evitado, e ninguém nunca levou o assunto até as reuniões de condomínio porque o síndico, Gabriel, depois que retornou da lua de mel, esqueceu-se do seu trabalho e ninguém queria aguentar a burocracia.

Além disso, a música de Aziraphale nunca incomodou ninguém. Ele sempre teve uma gentileza e simpatia tão grande com todos os vizinhos que nenhum deles conseguia se zangar com um som alto às seis da manhã, pois a ideia de Aziraphale estar iniciando seu rito matinal despertava também os demais moradores de uma maneira inspiradora. Isto é, até o dia fatídico.

Tudo começou como sempre começava: o despertador tocou às seis da manhã e Aziraphale colocou a água para ferver. Resolveu colocar uma música aleatória para tocar, de uma playlist que ele não lembrava que tinha.

"Eu não tenho culpa de estar te amando, de ficar pensando em você toda hora" a música começou a tocar. [...] "É mais do que desejo, é muito mais do que amor". 

– Eu te vejo nos meus sonhos, e isso aumenta mais a minha dor! – Aziraphale cantou enquanto despejava a água na xícara, fingindo estar performando para uma imensa plateia.

"Eu me apaixonei pela pessoa errada [EI] ninguém sabe o quanto que eu estou sofrendo [CALA A BOCA AÍ EM CIMA] sempre que eu vejo ele do seu lado [ZECA PAGODINHO] morro de ciúmes tô enlouquecendo [Ô ZECA PAGODINHO, AQUI EMBAIXO]"

Apenas no último grito Aziraphale percebeu que aquilo não fazia parte da música ou de sua encenação. Deixando a xícara de chá agora já pronta, ele se direcionou para a sacada.

Na sacada de baixo se encontrava uma pessoa alta, com os cabelos vermelhos desgrenhados e um pijama. A figura estava parada, com os braços descansando na cintura em uma posição irritada.

– Tem como abaixar o volume aí? Eu tô tentando dormir.

– Ah sim, desculpe eu... não sabia que alguém morava nesse apartamento.

– Não mora, eu invadi ontem – ele respondeu, mas, ao ver o espanto no rosto de Aziraphale emendou – É claro que mora gente! Faz mais de dez anos que eu moro aqui! Você quer ver o contrato, é isso? Pra ter paz e sossego na minha própria casa eu preciso te mostrar a papelada? Quer o comprovante de pagamento do condomínio também? – Seu tom de voz era irritadiço

– Veja, senhor... – Aziraphale tentava manter o tom de voz o mais amigável possível, porque uma rixa com seu vizinho era a última coisa que ele queria.

– Crowley – Crowley respondeu em um tom de voz que insinuava que uma rixa com seu vizinho era a coisa que ele mais queria no momento.

– Senhor Crowley, nós podemos debater isso como pessoas sensatas e resolver civilizadamente, não existe necessidade para esse tom... – Aziraphale foi interrompido em sua fala por um lampejo do morador de cabelos vermelhos

– CIVILIZADAMENTE COISA NENHUMA. EU LÁ SOU SENSATO? EU SÓ QUERO DORMIR, DESLIGA ESSA MÚSICA E O ASSUNTO ESTÁ ENCERRADO.

– Eu não sou capaz de dialogar com uma pessoa que não sabe conversar, tampouco me rebaixarei ao seu nível. – Havia um certo ressentimento na voz de Aziraphale – Deus ajuda quem cedo madruga, sabia?

– EU QUERO QUE SE LASQUE VOCÊ E DEUS JUNTOS. EU ACABEI DE CHEGAR DO SERVIÇO E AINDA PRECISO OUVIR DESAFORO ASSIM? FORAM DEZ ANOS EM SILÊNCIO, NUNCA RECLAMEI DO BARULHO E AGUENTEI QUIETO, AGORA JÁ DEU. VOCÊ FEZ UM INIMIGO PRA VIDA, MEU ANJO. – Crowley berrou mais uma vez, deixando a sacada e se dirigindo para dentro de casa, com o gosto da última palavra e de um clima um tanto quanto constrangedor.

– PRA VOCÊ É SENHOR FELL – Ele não conseguiu mais manter sua compostura. Seu chá tinha esfriado, a coxinha já tinha perdido a crocância e o silêncio imperava no apartamento. Toda a situação e gritaria lhe tirara a paz de espírito e estragou seu rito matinal sagrado. 

Algumas pessoas acreditavam que Aziraphale era incapaz de fazer mal a uma mosca, mas essas pessoas não sabiam o quanto ele prezava por seus prazeres simples. Crowley, o vizinho do andar de baixo, também tinha acabado de fazer um inimigo para vida.

Good Omens - Entre Tapas e Beijos (Ineffable Husbands)Onde histórias criam vida. Descubra agora