Capítulo 24: Oceano - Djavan

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 Conforme eles subiam com a quantidade exorbitante de caixas contendo uma quantidade mais exorbitante ainda de plantas, Aziraphale começava a se perguntar se ele tinha sido claro o suficiente em sua proposta: a ideia era que Crowley e uma certa quantidade de plantas se mudassem para o apartamento de cima. A sensação era de que eles já haviam retirado o que daria para preencher, em média, um jardim botânico – e muitas plantas ainda ficariam no antigo apartamento de Crowley.

Mas Aziraphale não se sentia mal com a ideia de viver em um apartamento repleto de plantas, da mesma maneira que ele sabia que Crowley, por mais que sempre fizesse questão de dizer que não conseguia imaginar como a literatura pudesse ser um hobby, não se sentia mal por se mudar para um apartamento repleto de livros.

Ele era agora capaz de compreender que essas coisas (mesmo que exageradas para alguns) eram o que os transformavam neles mesmos. Era o que transformava um apartamento em um lar. Um lugar visivelmente habitado. Um lar visivelmente feliz.

Com essas divagações sobre o que transformava um lar, Aziraphale não percebeu quando Crowley abriu a porta da frente, se esquivando de mais caixas de mudança e segurando um envelope creme, com um sorriso orgulhoso.

– Acabei de checar a caixa de correio, e pelo que tudo indica Newt e Anathema finalmente estão enviando os convites do casamento! Pelo que eu vi a cerimônia não será muito longe daqui, no quintal de uma... cabana? – Ele levantou a sobrancelha, impressionado.

– Parece ótimo!

– Bom, ainda é melhor que a primeira ideia deles. – Crowley se jogou no chão, perto de uma caixa intitulada "Óculos de sol". – Eles esbarraram com um homem muito estranho em São Thomé das Letras que disse que Newt era de uma "nobre linhagem de caçadores de bruxas" e Anathema tinha sangue de bruxa. – Ele fez questão de enfatizar suas palavras com aspas e alguns rolares de olho. – Não preciso dizer que Newt achou que seria uma ideia brilhante se casar em Salém, porque achava que seria hilário um "caçador de bruxas e uma bruxa" se casando lá, como se fosse uma afronta a alguém?

Aziraphale franziu a sobrancelha, absorvendo a informação. Ele vinha mantendo contato tanto com Anathema quanto com Newt nos últimos meses (desde a vez que ele atendeu o celular de Crowley), e por mais que aquela situação realmente tivesse a cara de Newt, ainda era uma coisa da qual ele jamais acreditaria que aconteceria.

– O pior de tudo isso é saber que até o último minuto a Anathema acatou a ideia, mas acho que amor é isso. Felizmente era caro demais e eles se contentaram com a "linda cabana em South Downs, paz e tranquilidade em contato direto com a natureza". – Ele riu

– Me parece um lugar adorável.

[Enfim, de tudo o que há na terra; Não há nada em lugar nenhum; Que vá crescer sem você chegar]

– É, eu acho que sim. Mas eu não vim até aqui para debater sobre a escolha dos dois. Eu recebi meu convite hoje – Crowley balançou o envelope na mão. – E também recebi esse aqui. – Ele mostrou o segundo envelope escondido atrás do primeiro, uma pura ilusão de ótica da qual ele juraria de pé junto que era mágica das mais complexas.

Aziraphale pegou o segundo envelope da mão de Crowley e leu o remetente (Anathema e Newt, como se era de se esperar). Ao virar o papel, leu cuidadosamente o que estava escrito em uma letra um pouco garranchada: "Senhor Aziraphale Fell".

– Você tem alguma coisa a ver com isso? – Aziraphale perguntou temeroso. Embora ele tenha criado uma certa conexão com os dois durante esse período, jamais passara por sua cabeça ser convidado para um evento tão especial na vida de ambos como o próprio casamento.

– Não, eu sequer sabia que os dois já estavam enviando os convites. Eu sei que (e isso você pode conferir no seu próprio convite) – Crowley apontou para o envelope creme nas mãos de Aziraphale. – que cada convidado pode levar um acompanhante, e eu obviamente te levaria se você não tivesse um convite. Acho que você vai ter que aceitar que sua companhia é desejada. – Crowley sorriu.

– Mas, por que eles entregariam no seu endereço?

– Talvez porque eles não tenham o número exato do seu apartamento? Só porque eu espalhei seu endereço uma vez na internet não quer dizer que eu saia por aí contando pra todo mundo onde você mora. Mas fique em paz, quando nós terminarmos a mudança eles terão o número do apartamento atualizado. – Crowley sorriu.

[Vem me fazer feliz porque eu te amo; Você desagua em mim, e eu, oceano]

Aziraphale sorriu também. Anathema era uma das pessoas mais inteligentes das quais ele já havia conhecido, e Newt era uma das mais gentis. Ele se sentia muito contente em conversar com os dois sempre que possível, e a ideia de que os dois também gostavam dele era – mesmo que ele sentisse que fosse um pouco bobo – uma sensação muito boa. Conseguir entender, finalmente, que ele era digno de coisas boas em sua vida. Que ele poderia ser amado.

– Mas uma coisa tem me atormentado, sendo sincero com você. – Crowley se endireitou no chão, olhando diretamente para Aziraphale. – Pode ser que eu tenha aceitado ser o padrinho de Newt e madrinha de Anathema, e eu não sei se posso fazer os dois ao mesmo tempo.

– Você... o quê?

– Newt me chamou para ser padrinho do casamento dele quando nós tínhamos 14 anos, e Anathema teve a mesma brilhante ideia de me chamar para ser madrinha aos 15. Os dois ainda nem se conheciam e o namoro não estava visível no horizonte ainda, como eu poderia imaginar que o casamento seria o mesmo? Eu pensei que os dois esqueceriam até lá, mas nenhum dos dois esqueceu, e eu não sabia como escolher um deles... eu não poderia escolher um deles, entende? então eu fui seguindo. Eles não sabem que os dois tiveram a mesma ideia décadas atrás, e eu não sei como contar agora.

– Bom, será um casamento... interessante, no mínimo. – Aziraphale riu, imaginando Crowley se desdobrando para desempenhar ambos os papéis.

[E esqueço que amar é quase uma dor; Só sei viver se for por você]

Good Omens - Entre Tapas e Beijos (Ineffable Husbands)Onde histórias criam vida. Descubra agora