O silêncio no elevador permanecia, além de eventuais suspiros que Crowley fazia questão em soltar. Nenhum dos dois queria falar algo para o outro, e nenhum dos dois gostaria de estar naquele elevador, isso era óbvio. Crowley imaginava como contaria a situação para Anathema e Newt, e como omitiria o fato de que ele cedeu tão facilmente à demanda de seu vizinho em falar com Gabriel (justo Gabriel) – sendo muito honesto, nem ele mesmo sabia o que o havia convencido a entrar no elevador quando poderia muito bem ter entrado em casa e trancado a porta.
Certo. A porta. A porta que ele deixou aberta e com a chave balançando na fechadura. Claro. Como era possível que apenas o olhar de reprovação de Aziraphale (uma pessoa da qual ele nutria apenas a mais pura das antipatias) fizera com que ele esquecesse coisas tão básicas quanto a porta de entrada aberta, e o fato de que ele poderia muito bem não ter entrado naquele elevador. Ele tinha diversas opções, mas todas elas sumiram completamente ao encontrarem aqueles olhos o julgando. A única coisa que ele podia fazer naquele momento era torcer para que ninguém resolvesse, às cinco e vinte da manhã, roubar uma ave-do-paraíso.
Aziraphale também tinha suas preocupações: ele tinha medo que, caso chegasse atrasado na livraria mais uma vez, Muriel chamaria a polícia ou doaria todos os livros para a primeira pessoa que passasse na rua (o que era muito pior). Não que ele pensasse que Muriel faria isso, mas era o pior cenário que sua mente conseguia imaginar e ele se manteria neste cenário. Enquanto afunilava a história elaborada de como perderia todos os seus preciosos livros, ele percebeu apenas que a porta do elevador se abrira, e ele teria saído naquele andar mesmo se não tivesse sentido uma mão o impedindo.
– É mais pra cima, meu anjo. – Com um tom de voz sarcástico, Crowley revirou os olhos. – Ou você desistiu? – Mais uma vez ele não sabia porque tomara as decisões que tomou. Ele devia ter deixado Aziraphale descer naquele andar e encerrar o assunto, por que ele impediu? Crowley não sabia, e isso o deixava cada vez mais desconfortável.
Os dois foram tomados por uma sensação tão estranha na presença um do outro que não notaram a mulher parada na porta do elevador.
– É claro que seriam vocês dois! Só poderia ser! – Nina mantinha um tom de voz contido, mas extremamente ríspido. – Olha só, eu tenho uma cafeteria para abrir em cerca de trinta minutos e não consegui pregar o olho a noite inteira porque vocês dois resolveram, da noite para o dia, que eram inimigos declarados. Eu não me importo qual o tipo de relação vocês tem, eu não me importo se vocês se odeiam ou se vocês estão nesse joguinho de gato e rato para esconder que na verdade vocês gostam um do outro... Eu não ligo, ok? Eu só quero dormir. Existem outras pessoas neste prédio, não são só vocês, e é verdadeiramente ultrajante que nós precisemos ficar no meio disso tudo e...
Crowley se moveu para perto do botão, forçando que a porta se fechasse antes que Nina pudesse entrar ou continuar com seu discurso acalorado. Enquanto a porta fechava, Crowley sorriu e acenou para a mulher, que agora gritava insultos dos mais fortes – alguns dos quais ele mesmo sequer conhecia. Era impressionante o quanto ela conseguiu falar em apenas alguns segundos.
Depois que a porta se fechou, os dois mantiveram o silêncio que estavam cultivando até ali. A aparição de Nina não ajudou a amenizar o clima de maneira nenhuma, e nenhum dos dois estava disposto a pensar no que ela quis dizer com "Para esconder que na verdade vocês gostam um do outro" porque era uma das coisas mais ridículas que ambos já ouviram – eles sequer se conheciam, e até o momento, o outro não era nada além de desagradável. Era um pensamento absurdo, e Nina apenas disse pois sabia que isso os atormentaria. Sim, era o resultado de uma noite de sono mal dormida misturada com mau-humor, nada demais. Nada com o que se preocupar, com certeza.
O elevador finalmente parou no andar correto. Os dois saíram, ainda em silêncio, em direção ao apartamento de Gabriel. Crowley não pôde segurar outro suspiro, seguido de uma lamúria – definitivamente não era essa a manhã que ele havia planejado para si: tendo que conversar com Gabriel, a pessoa mais irritante que ele já conhecera, ao lado da segunda pessoa mais irritante que ele conhecia, enquanto seu apartamento estava aberto, suscetível a um saqueamento de plantas, ou uma vingança de Nina. Suas pobres plantas provavelmente estavam morrendo de sede e de medo. "Que ótima maneira de iniciar o dia.", ele bufou baixinho.
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Good Omens - Entre Tapas e Beijos (Ineffable Husbands)
RomanceAU (alternative universe) - Em que Crowley, segurança de uma boate, resolve caçar briga com seu vizinho de cima pelo barulho de música alta às seis da manhã - ou em que Aziraphale resolve revidar a implicância de seu vizinho do andar de baixo.