Capítulo 14: Talvez - Maglore

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 Crowley resolveu que, pelo menos por enquanto, ele não comentaria com Newt e Anathema o final de domingo que passara na companhia de Aziraphale. Não porque ele queria esconder algo dos dois (e também não tinha relação com o fato de que ele não queria ouvir os dois dizerem que desde o começo eles bateram na tecla de que a situação era estupidamente fácil de se resolver e que ele era estupidamente cabeça dura, de maneira nenhuma), mas porque ele não sabia ao certo como colocar em palavras o dia anterior, mesmo se tentasse muito.

Realmente não era do seu feitio resolver situações da maneira como aquela foi resolvida ontem. Normalmente ele deixaria a animosidade entre os dois escalonar até um ponto considerado impraticável de ambos os lados, o que não queria dizer que ele não tinha gostado de como a situação tinha se resolvido ontem. Ele tinha, genuinamente, gostado da companhia de Aziraphale.

Ainda era um pouco estranho pensar o quanto ele compartilhou sobre sua vida para um até então desconhecido – pior, o quanto ele compartilhou sobre sua vida para seu até então inimigo declarado. Desde que ele era capaz de recordar, Newt e Anathema eram as únicas pessoas com quem ele era capaz de se abrir, embora o dia anterior tenha sido extremamente fácil se tratando de despejar suas lembranças mais queridas e algumas dolorosas, mesmo que não inteiramente.

O fato de querer tocar no assunto da floricultura era algo muito novo para Crowley, que tentava ao máximo se esquivar desse tema. Ele sentia que, se acreditasse nessas coisas, talvez pensasse que conhecia Aziraphale antes mesmo do dia em que ele comprou uma Tradescantia, e antes da discussão na varanda. Seria uma explicação tecnicamente plausível para a vulnerabilidade que ele aceitou de bom grado perante um desconhecido.

Isso é, se ele acreditasse nessas coisas. Mas ele não acreditava. Não é como se o universo ou uma força maior tivesse escrito nas estrelas seu destino, ou tivesse atado seu dedo mindinho ao de uma outra pessoa com o fio dourado do amor. Não existia nenhuma linha invisível ligando ninguém, e não tinha nada de destino naquilo. Talvez tivesse subestimado a pancada na cabeça que a Espada-de-São-Jorge lhe dera – definitivamente sua mente não estava atinando muito bem.

Chacoalhando a cabeça para afastar o pensamento, resolveu que era o momento perfeito para ir trabalhar. Sempre ouviu que mente vazia é a oficina do diabo, e dessa vez ele precisava concordar com o ditado popular: a combinação de ócio e galo na cabeça estavam trazendo as ideias mais absurdas para sua mente. Ele se despediu de todas as plantas, como fazia sempre antes de sair de casa e, ao abrir a porta, quase pisou no que ele julgava ser uma maleta relativamente grande deixada em seu capacho azul.

Crowley se agachou, pegando cuidadosamente o bilhete que estava colado na parte de cima da maleta:

"Querido amigo,

Tinha essa vitrola sem uso na livraria (quem imaginaria que as pessoas preferem o silêncio enquanto leem!) – Crowley riu, murmurando baixinho um abafado "Quem diria!" – Acredito que ela será de melhor utilidade aqui com você. Espero que aproveite!

Abraços, Aziraphale."

Crowley levantou a vitrola com muito cuidado, inspecionando-a. Ela realmente parecia uma maleta quando fechada mas, ao abrir na bancada entre a cozinha e a sala, percebeu que era realmente uma vitrola. Ela estava intacta, como se nunca tivesse sido utilizada – se ela fosse um modelo mais moderno, ele poderia jurar que tinha acabado de sair do plástico, de tão perfeitas eram suas condições.

Sorrindo, ele voltou sua atenção para suas próprias plantas: ele tinha lido sobre como as plantas crescem melhor em um ambiente com música, mas nunca conseguiu replicar. A última vez que elas ouviram música foi quando Crowley deixou a caixa de som da boate tocando a madrugada toda, e ele sabia que aquela situação foi extremamente estressante para as plantas – elas cresceram muito bem com o estresse, mas não era uma abordagem que ele particularmente gostava de utilizar nelas.

Ele pegou duas plantas na prateleira e, enquanto elas descansavam na bancada ao lado da vitrola, Crowley foi atrás de papel e caneta.

"Aziraphale,

É realmente muita gentileza sua, espero que a vitrola não faça falta. Com certeza farei um ótimo proveito dela, mas caso você precise de volta saiba que ficarei feliz em devolver. Não gostaria que você se enfiasse em algum problema no trabalho por ter pego algo que não deveria. De qualquer forma, saiba que eu agradeço muito e ela será de muita utilidade.

Como agradecimento, te deixo essa muda de cacto, que acho que será capaz de sobreviver aos seus cuidados – embora eu não tenha certeza disso, já que a Espada-de-São-Jorge estava em péssimas condições, e é uma das plantas mais fáceis de se cuidar.

Enfim, ela precisa de um bom contato com o sol e não precisa de muitas regas (mas também não quer dizer que você não deva regar nunca). Qualquer dúvida não se acanhe em me perguntar. Eu ficaria muito feliz caso essa planta sobrevivesse.

De seu amigo, Crowley."

Com o bilhete de Aziraphale finalizado, Crowley passou para o segundo bilhete da noite – um bilhete que ele deveria ter escrito há muito tempo.

"Querida Maggie,

Primeiramente eu gostaria de pedir desculpas pelo atraso deste agradecimento: eu me alegrei muito com seu presente de apresentação, mas infelizmente não tinha onde tocar o disco de vinil. Até o momento ele vinha servindo apenas como decoração, mas não mais: agora eu tenho onde tocar! A escolha musical foi realmente certeira, eu adoro Queen e estou muito animado para finalmente colocar o disco para rodar!

Agradeço mais uma vez por sua generosidade e pelo carinho colocado no presente, e desculpas sinceras por não ter dito antes. Como pedido de desculpas, estou deixando essa muda de gérbera para você e sua companheira. É só mantê-la com um bom contato com o sol e não regar demais (uma vez por semana já é o suficiente). A flor representa novos começos, coisa que eu espero que possamos ter em breve.

De seu vizinho, Crowley."

Com as plantas e bilhetes em mãos, Crowley se dirigiu ao andar de cima. Ele sabia que Aziraphale estava em casa porque a vitrola tinha sido deixada na sua porta naquele dia, mas achou melhor deixar o cacto e o bilhete aguardando no capacho – o mesmo para Maggie – tanto porque ele já estava atrasado para o serviço após queimar seus neurônios para achar as palavras certas que gostaria de escrever, tanto porque não saberia o que dizer para nenhum dos dois. Algo dentro de si temia que Maggie não aceitasse seu bilhete após tanto tempo, e ele não gostaria de ver isso acontecendo em primeira mão.

Chacoalhando a cabeça mais uma vez para afastar os pensamentos de rejeição que sempre achavam um jeito de se instaurar de novo e de novo, Crowley se dirigiu ao elevador à caminho do térreo. Mesmo com o crescente medo de que talvez Nina e Maggie o achassem detestável e, por isso, queimassem a gérbera, ele não conseguiu deixar de sorrir pensando no disco do Queen que aguardava ser tocado. Com isso, o elevador desceu.

Good Omens - Entre Tapas e Beijos (Ineffable Husbands)Onde histórias criam vida. Descubra agora