Quando Aziraphale escutou três batidas em sua porta por volta das sete da manhã, ele já se preparou para enfrentar seu, até então, inimigo declarado. Segurando a maçaneta, tentou se lembrar dos exercícios de respiração que Muriel tinha o ensinado nos últimos meses e, na medida do possível, se esforçou para manter uma expressão neutra no rosto. Olhando no olho mágico, porém, ele percebeu que, no lugar da figura alta, ranzinza e de cabelos vermelhos que ele esperava ver, se encontrava um grupo de pessoas das quais ele nunca tinha visto na vida.
Ele contou cerca de sete pessoas, todas segurando um papel do qual ele não conseguia ler o conteúdo. Aziraphale tentou pesar em uma balança imaginária os prós e contras em abrir a porta para aqueles sete desconhecidos, mas não conseguia pensar em uma coisa que poderia ser positiva naquele encontro - não, encontro não, naquela emboscada - de desconhecidos, todos parados na única saída de seu apartamento.
Mas Aziraphale era, acima de tudo, um filho de Deus. Um filho de Deus muito curioso que, independente de todos os sinais de alerta que se acenderam em sua mente ao ver aquele grupo de desconhecidos em sua porta às sete da manhã, não conseguiria descansar até que descobrisse o que todas aquelas pessoas estavam fazendo ali. Respirando fundo como Muriel havia ensinado anteriormente, ele abriu a porta.
Assim que a porta se abriu, todos começaram a falar entusiasmados, apontando para os papéis. Aziraphale tentava conversar com ao menos uma pessoa para saber o que estava acontecendo, mas a quantidade de vozes em conjunto fazia com que fosse difícil de compreender qualquer coisa. Tentando manter seu típico sorriso simpático, ele conseguiu pescar "pote" e "doação" no meio do mar de palavras desconexas que fervilhavam em seus ouvidos. Ainda com um sorriso no rosto, Aziraphale pediu para olhar um dos papéis que uma das pessoas segurava.
Segurando o papel em uma mão e alcançando o óculos guardado no bolso do casaco bege, ele iniciou uma leitura dinâmica, tentando absorver os pontos mais importantes o mais rápido possível - coisa que os anos sendo dono de livraria o prepararam muito bem. Pelo que era possível notar no design ali presente, o papel parecia ser a impressão de uma página da internet.
"Boa tarde. Um amigo está se mudando para outro país, e o preço para enviar sua coleção ficaria caro demais. Por isso, ele resolveu doar sua coleção de potes de plástico. São cerca de 200 potes, alguns kits inteiros e todos em perfeito estado. O kit de potes vintage feitos em 1950 está disponível, ainda na embalagem. Aos que se interessarem, peço que se dirijam ao..."
Aziraphale prendeu a respiração, sentindo sua frequência cardíaca aumentar, sua garganta secar e suas pupilas dilatarem. A sensação de ter seu próprio endereço em uma postagem em uma página de internet da qual ele tinha certeza que não havia escrito fez com que ele sentisse as reações da adrenalina em seu corpo. Pela terceira vez nos últimos vinte minutos, ele praticou os exercícios de respiração de Muriel, tentando se acalmar o suficiente para conseguir finalizar a leitura.
"[...] Como ele precisa urgentemente se desfazer de sua coleção, as primeiras pessoas que chegarem no local estipulado acima ficarão com tudo o que estiver disponível, portanto aconselho que cheguem o mais cedo possível.
Publicação realizada por Anthony J. Crowley no fórum Amantes de Potes de Plástico - Compra, Troca e Venda".
Primeiro Aziraphale abriu a boca, tentando formular alguma palavra. Depois, suas sobrancelhas se juntaram, tentando compreender o que estava acontecendo naquele momento. Por fim, tirando os olhos do papel pela primeira vez em bons minutos, Aziraphale gargalhou, olhando para os lados em busca de uma câmera que atestasse que tudo aquilo tinha sido, na verdade, uma pegadinha. Uma pegadinha muito elaborada, diga-se de passagem.
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Good Omens - Entre Tapas e Beijos (Ineffable Husbands)
RomanceAU (alternative universe) - Em que Crowley, segurança de uma boate, resolve caçar briga com seu vizinho de cima pelo barulho de música alta às seis da manhã - ou em que Aziraphale resolve revidar a implicância de seu vizinho do andar de baixo.