Capítulo 22: Como um Anjo - Zezé Di Camargo e Luciano

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 – Foi inesperado, definitivamente. – Crowley apoiou o celular em um dos vasos de planta, sentando-se no chão de seu apartamento.

– Eu não diria que foi inesperado de maneira nenhuma. Foi, inclusive, bem esperado. – Anathema sorriu serelepe. – Vocês passaram muito tempo juntos nesses últimos dias e, acima de tudo, você passou o final de semana com ele... Acho que todos nós já esperávamos esse desenrolar para toda a situação, exceto você.

– É porque eu ainda não contei os detalhes. – Crowley abaixou o tom de voz. Atrás de Anathema foi possível escutar um alto "O quê?" que Crowley imediatamente identificou como o grito de Newt quando estava desesperado por fofocas, o que fez Crowley sorrir.

– Ok, estamos todos prontos, pode começar! – Newt apareceu no frame do celular com um sorriso de orelha a orelha.

– Nós assistimos alguns episódios de Doctor Who, coisa normal e cotidiana...

– Correto, normal de cotidiana. – Newt concordou vidrado.

– Eu percebi que estava tarde e talvez fosse melhor voltar para casa, mas ele insistiu que eu passasse a noite, mesmo meu apartamento sendo cerca de sete passos dali.

– Ah sim, o truque mais antigo de todos. – Newt balançou a cabeça afirmativamente enquanto trocava olhares com Anathema. – Me diga, quantas camas tinha exatamente no apartamento?

– Uma. – Crowley respondeu baixinho.

– Sim! – O sorriso de Newt se alargou. – É claro que só tinha uma cama, eu sabia!

– Isso não quer dizer nada. – Crowley protestou. – Eu poderia ter dormido no sofá por exemplo, ou até mesmo no chão, a quantidade de camas que tinha no apartamento é completamente irrelevante. E além do mais, eu realmente acredito que nenhuma dessas coisas tenha influenciado inteiramente os acontecimentos seguintes.

– E o que você acha que foi, então? – Anathema o olhou curiosa.

– Talvez o pedido para passar a noite e dividir a cama tenha tido alguma espécie de segunda intenção, mas também existe a possibilidade de ter sido apenas muita gentileza, porque o Aziraphale é esse tipo de pessoa... Tão gentil que às vezes dói.

– É verdade, ele é realmente muito simpático. – Anathema se voltou para Newt, remontando a breve conversa que ela e Aziraphale tiveram no telefone na noite fatídica. – Nós estamos trocando mensagens agora! – Ela se virou para o celular, olhando Crowley. – Ele me manda aquelas mensagens de "Bom dia!" todos os dias. Gostaria de saber se ele mesmo faz as montagens das imagens ou se ele pega de algum grupo.

– Depois nós podemos perguntar para ele. – Newt respondeu carinhosamente. – Mas no momento eu realmente preciso saber o que influenciou os acontecimentos seguintes, do contrário eu sinto que terei uma síncope. Um colapso nervoso.

– Certo, continuando. – Crowley suspirou, enquanto Anathema sorria. – Eu contei para vocês sobre o beijo, mas eu omiti muitas coisas, em partes porque eu mesmo não sei exatamente o que aconteceu comigo. Nós estávamos deitados na cama, conversando normalmente... E no momento em que as pessoas normalmente falam "boa noite" e dormem eu... Meio que... Talvez... Digamos que eu tenha beijado ele automaticamente e, sem saber o que fazer, virei para o outro lado e gritei "Ok boa noite para você!" e fingi estar dormindo.

Os olhos de Anathema se arregalaram na mesma proporção que o sorriso de Newt se alargou. O silêncio ensurdecedor que se instaurou na linha do telefone foi quebrado cerca de meio minuto depois, com uma gargalhada estrondosa de Newt, que foi seguida de risadas nervosas de sua noiva.

– Uau. – Newt ria, enxugando as lágrimas que corriam pelo seu rosto. – De todas as coisas que você fez durante sua vida inteira, de todas as décadas de momentos compartilhados entre nós, eu posso dizer com convicção: essa é a coisa mais Crowley que você já fez.

– "A coisa mais Crowley que você já fez". – Crowley resmungou. – O que isso deveria significar, exatamente? Isso é bom ou ruim?

– Depende muito do seu ponto de vista, na verdade. – Anathema disse. – Além do mais, não era isso o que você sempre quis? Um amor que se mesclasse com amizade de tal maneira que ficasse difícil distinguir onde terminava a amizade e começava o amor romântico? Me parece que foi exatamente isso que aconteceu na sua cabeça naquele momento, e exatamente por isso você não percebeu que tinha o beijado até o momento de se separar dele. A mescla de amor e amizade foi tão natural que você sequer percebeu.

– Eu não tinha pensado por esse ângulo. Acho que você está certa.

– Sim, eu sei que estou. E você deveria ficar feliz e aproveitar que uma pessoa tão incrível quanto Aziraphale queira participar desta história meio confusa de amor que você está subconscientemente escrevendo nesses últimos meses.

– Nós não sabemos se ele quer participar mesmo, na verdade. – Newt respondeu baixinho. – Quer dizer, o pedido para passar a noite e o fato de só ter uma cama no apartamento nos dão sinais, mas nós não podemos ter total certeza, não é?

– Eu acho que nós podemos. – Crowley sorriu, enrubescendo as bochechas. – Pode ser que, após eu ter levantado de manhã, ele tenha retribuído o beijo.

– Isso muda tudo! E ele estava na mesma página que você nessa situação mesmo após você ter gritado boa noite no ouvido dele e decidido ignorar todo o incidente do beijo para fingir que estava dormindo! Vocês realmente foram feitos um para o outro. – Newt sorriu novamente. – É um ótimo início de namoro.

– Eu não chamaria de namoro. Pelo menos não agora. Nós não conversamos sobre nada disso ainda. Na verdade não conversamos muito sobre todo o acontecimento, quem dirá sobre rótulos.

– Sendo namoro ou não. – Newt deu de ombros. – É bem engraçado o quão rápido vocês dois se aproximaram e se conectaram, como se vocês já se conhecessem há tempos ou algo assim.

– Eu concordo, realmente é interessante como as coisas se desenrolaram, mas eu não acho que seja tão fácil de compreender assim. Me parece uma situação... inefável, talvez. Eu não sei explicar os motivos que causaram o beijo instintivo, assim como não sou capaz de colocar em palavras exatamente como chegamos onde estamos. É apenas inefável.

Newt e Anathema sorriram carinhosamente ao escutar o amigo contando com tanta delicadeza sobre aquela parte de sua vida. Os dois sorriam porque sentiam naquele momento uma espécie muito nova de felicidade para ambos: a de saber que Crowley estaria recebendo o amor do qual ambos sabiam que ele merecia receber. Durante as décadas de amizade, mesmo quando Crowley se sentia indigno de amor, os dois tinham a convicção de que ele merecia um amor tão lindo quanto aquele que ele estava prestes a conhecer.

– Além do mais, Aziraphale me deu uma ideia muito interessante naquele dia também. – Crowley continuou. – Ele levantou a hipótese de uma espécie de delivery de flores: as pessoas me mandariam mensagem explicando qual a ocasião, sentimento ou sensação que elas gostariam que fosse passado, eu escolho a planta que transmita melhor o recado e envio para o cliente. E eu não precisaria abrir uma floricultura ou alugar algum espaço, nem abandonar o emprego na boate: como seria um serviço de entregas, eu poderia enviar daqui de casa mesmo no meu tempo livre. É bem mais seguro financeiramente, e eu não precisaria alterar tanto a minha rotina atual.

– Crowley, isso é genial! – Os olhos de Newt brilharam. – E você finalmente voltaria a trabalhar com algo que você ama! Acredito que isso faria muito bem para você, nós sabemos o quanto a floricultura significou e o quanto você sente falta.

– Sim, é algo a ser pensado. – Crowley sorriu, imaginando detalhadamente como tirar a ideia do papel.

Good Omens - Entre Tapas e Beijos (Ineffable Husbands)Onde histórias criam vida. Descubra agora