"Certo, tudo bem. Normal, isso tudo é normal." Crowley pensou consigo mesmo, andando de um lado para o outro na sala de estar de Aziraphale, que se arrumava para dormir. Enquanto seu amigo escovava os dentes no banheiro, Crowley se questionava se deveria aguardar na sala ou se deveria se dirigir ao quarto.
"Seria estranho ficar aqui aguardando para que nós dois fôssemos juntos até o quarto, não é?" ele pensou, aumentando a velocidade de seus passos. "Mas seria muito mais estranho se eu fosse sozinho até o quarto... O que exatamente eu faria, ficaria em pé num canto do cômodo aguardando? Deitaria na cama?" Quanto mais Crowley pensava sobre a situação, mais ele se arrependia de ter aceitado dormir ali.
Não que ele não quisesse estar ali, era na verdade uma grande surpresa para ele o quanto ele tinha gostado da ideia, mas, mesmo querendo estar ali, ele sentia que a qualquer momento faria alguma coisa tremendamente embaraçosa, ou terrivelmente desconfortável. Antes que pudesse cogitar ir embora, porém, ele escutou a porta do banheiro abrir. No mesmo instante ele começou a pensar se não teria sido melhor esperar na cama, fingindo que já estava dormindo.
– Você ainda está aí! – Aziraphale sorriu, apagando a luz do banheiro atrás de si. Ao ver o quanto seu amigo estava tranquilo com a situação na qual os dois se encontravam, Crowley relaxou, imaginando que tinha, novamente, criado uma tempestade em copo d'água. – Tudo certo?
– Sim, tudo certo. Mostre o caminho.
Crowley seguiu silenciosamente Aziraphale até o quarto mais organizado que ele já tinha visto em sua vida, mesmo sendo, ao mesmo tempo, um dos quartos mais lotados de cacarecos que ele poderia imaginar: pilhas de livros se erguiam em uma parede, em uma escrivaninha e em um armário. Em um canto do quarto, havia uma pequena cômoda recheada de bibelôs, todos organizados pelo que Crowley imaginava ser por cor. A cama era, realmente, grande o suficiente para os dois.
– Certo, você tem preferência pelo lado da cama?
– Eu costumo dormir no lado direito, se estiver tudo bem por você.
– Sem problemas, eu costumo dormir no lado esquerdo mesmo. – Crowley se aproximou da cama, deitando lentamente.
Com as mãos entrelaçadas no peito, Crowley não sabia se deveria dormir ou se o cordial seria conversar amenidades antes de pegar no sono. Com Anathema e Newt ele normalmente dormia após vinte minutos gargalhando com os pedidos de silêncio de Anathema.
– Eu agradeço por hoje. – Aziraphale se virou para encarar Crowley. – Gostei muito de Doctor Who.
– É claro que você gostou. – Crowley riu. – Não existe uma pessoa no mundo que tenha assistido Doctor Who e não tenha gostado. É a melhor série já feita!
– Sim, acho que você tem razão. – Ele gargalhou. – Mas mesmo se não fosse, eu gosto muito da sua companhia também. Isso não é algo que eu costumo fazer com muita frequência.
– Com "isso" você quer dizer uma festa do pijama?
– Não tinha pensado por esse lado. – Os olhos de Aziraphale se fecharam em um sorriso. – É, eu acho que podemos considerar isso uma festa do pijama.
– Faz muito tempo que não vou à uma festa do pijama também. A última vez foi há bons anos... Com alguém além de Newt e Anathema possivelmente décadas, ou talvez nunca... Não consigo me lembrar.
– Anathema é um amor de pessoa, gostei muito de conhecê-la!
– Sim, eu tenho certeza. – Crowley se virou para encarar Aziraphale, ambos com as mãos embaixo do travesseiro. – Eu te disse que vocês se dariam bem. Vocês dois são bem parecidos... Nas partes boas, eu quero dizer.
– Nas partes boas?
– Acho que vocês dois são as pessoas mais inteligentes que eu já conheci, mas isso pode ser tanto uma parte boa quanto ruim, porque vocês dois são muito cabeça-dura exatamente por esse motivo, e os dois sempre acham que sabem tudo, e... Sabe, acho que vocês são mais parecidos nas coisas ruins que nas boas. – Crowley gargalhou.
– Você não acha contraditório, de todas as pessoas do mundo, você querer apontar quem é cabeça-dura ou não? Pelo seu histórico, você é a pessoa mais intransigente que conheço.
[Diga que me odeia, mas diga que não vive sem mim]
– Anathema já me disse as exatas mesmas palavras! – A risada de Crowley ecoou pelo quarto. – O gênio de vocês é realmente idêntico, não sei como consigo aguentar dois. Devo ter salgado a Santa Ceia ou algo assim.
A risada de Crowley foi cortada por um travesseiro, que o atingiu diretamente no nariz.
– Ei!
– Eu diria que quem salgou a Santa Ceia fui eu! Tendo que ouvir tamanhos desaforos em minha própria casa, deitado na minha própria cama! Vindo de uma pessoa que me fez passar pelos doze trabalhos de Hércules nas últimas semanas.
– Você não acha "doze trabalhos de Hércules" exagero.
– "Salgar a Santa Ceia" você acha comum?
[Xingue minha laia, mas venha me fazer cafuné]
– Certo, você tem um ponto. – Crowley levantou as mãos, fingindo rendição. – Mas pense que a comparação vem de um lugar de carinho: eu amo Anathema mesmo com todos os defeitos, e vocês são muito parecidos.
Aziraphale sentiu seu rosto queimar suavemente. Mesmo percebendo que Crowley não tinha falado com as intenções que ele tinha interpretado, seus olhos se arregalaram. Ele sabia que Crowley não tinha feito a mesma conexão que ele porque, naquele momento, seu amigo sorria despreocupadamente.
– Eu agradeço o elogio. – Aziraphale tentou seu melhor para disfarçar o que passava por sua cabeça no momento. – Acho melhor dormirmos agora, não é? Já está bem mais do que tarde. – Ele riu baixinho.
– Sim, você tem razão. Boa noite. – Crowley se aproximou de Aziraphale, depositando um beijo cuidadoso nos lábios de seu amigo.
Ao se afastar de Aziraphale, a ficha de Crowley lentamente começou a cair. Lentamente, ele conseguiu assimilar o que tinha acabado de fazer. Seus olhos se arregalaram, olhando para Aziraphale. Ele não sabia porque tinha feito aquilo, nem como seu cérebro não percebeu o que estava fazendo. O gesto pareceu tão natural e instintivo que ele só conseguia compreender o que tinha acontecido ao se afastar.
Sentindo a adrenalina correndo em suas veias, sabendo que aquela tinha sido uma situação da qual ele não tinha como desfazer, e que teria que enfrentar as consequências dela em um futuro muito próximo, Crowley fez o que parecia ser sua única alternativa no momento.
– Ok, boa noite pra você! – Ele gritou, voltando para seu lado da cama, dando as costas para Aziraphale, sabendo que não seria capaz de pregar o olho por um segundo aquela noite.
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Good Omens - Entre Tapas e Beijos (Ineffable Husbands)
RomanceAU (alternative universe) - Em que Crowley, segurança de uma boate, resolve caçar briga com seu vizinho de cima pelo barulho de música alta às seis da manhã - ou em que Aziraphale resolve revidar a implicância de seu vizinho do andar de baixo.