– Eu moro bem embaixo, em cinco segundos eu chego em casa, não precisa se preocupar. – Crowley coçou a cabeça confuso, sem conseguir atribuir a proposta de Aziraphale a nada além de pura cortesia.
– Não é pela distância, eu apenas achei que seria mais fácil você continuar aqui, porque nós poderíamos continuar assistindo a série e...
– Mas também são cinco segundos para chegar aqui! Não vejo motivo para te incomodar com isso, sendo que eu consigo chegar em casa e voltar para cá em menos de um minuto.
– Também não é questão de incômodo, até porque se fosse me incomodar minimamente eu não teria oferecido. Eu só gostaria da sua companhia.
[Todo mundo tem um ponto fraco. Você é o meu, por que não?]
Crowley sabia que aquele era um pedido que não fazia sentido algum. Não existia, racionalmente, um único motivo para que ele precisasse passar a noite fora de sua própria casa – que estava a cerca de quinze passos de distância, no máximo. Ele tinha consciência de que não o incomodaria de maneira alguma andar por poucos segundos até sua casa. Mais uma vez, ele sabia, racionalmente, que o convite não era lógico.
Mas, parado ali, com os imensos olhos azuis de Aziraphale o encarando, ele também não conseguia pensar em motivos para não aceitar o convite. Como se ele estivesse sempre à mercê dos desejos de seu amigo, incapaz de ceder (coisa que vinha acontecendo com uma frequência um pouco maior do que ele gostaria, se fôssemos sinceros).
– Certo. – Crowley deu seu melhor para fingir que a escolha não tinha sido nada mais do que puramente casual, tentando esconder mais uma vez a sensação de estar enfeitiçado sempre que os olhos de Aziraphale encontravam os seus. – Mas eu precisaria tomar banho, e escovar os dentes, e eu nem tenho uma troca de roupa...
– Bom, é realmente uma sorte que esta casa na verdade é habitada e, por incrível que pareça, ela tem todas essas coisas. – Aziraphale brincou. – Tudo que você precisa está no banheiro, acredito que tem uma troca de roupa na segunda gaveta e uma toalha na primeira, junto com as escovas de dente ainda na embalagem.
Crowley se virou lentamente em direção ao banheiro, tentando (com dificuldade) assimilar os acontecimentos mais recentes – e os não tão recentes assim. Não fazia muito tempo que ele e Aziraphale eram amigos, mas, ao mesmo tempo, ele sentia como se já fizessem séculos. Ele se sentia tão confortável ali quanto se sentia com Anathema e Newt, as únicas pessoas que Crowley se sentia confortável. As únicas pessoas que Crowley amava.
E mesmo assim, a amizade dos três demorou anos para chegar àquele ponto. Com Aziraphale tudo parecia muito mais rápido – pouco tempo atrás eles brigavam pelo volume de algumas músicas, coisa que Crowley agora conseguia entender que era algo fácil de resolver. Pouco tempo atrás eles se odiavam, e agora ali estava ele. Prestes a participar de uma... festa do pijama.
Enquanto lavava o cabelo, ele não conseguia pensar na última vez que dormiu na casa de algum amigo. Talvez na casa de Newt, quando os dois ainda eram adolescentes? Essa situação parecia uma daquelas que acabam morrendo quando você vira adulto. Caso o final de semana que Anathema e Newt passaram em seu apartamento contasse como "dormir na casa de um amigo", então fazia um pouco mais de dez anos, mas ele sabia que não era a mesma coisa. Eles dormiram lá por necessidade, enquanto ele estava dormindo porque... bem, não havia muito motivo para estar dormindo lá além de "porque ele queria", e naquele momento aquele motivo estava bom o suficiente para ele – embora ele fosse atribuir essa realização ao sono caso alguém perguntasse.
Após desligar o chuveiro, Crowley conseguiu perceber o silêncio ser cortado por um murmuro baixo demais para ser entendido dentro do banheiro. Enquanto se vestia, ele cogitou a hipótese de Aziraphale ter ligado a televisão novamente, mas, ao abrir a porta do banheiro e dar o primeiro passo para fora do ambiente, ele foi capaz de identificar de onde vinha o som. Ele reconheceria aquele som em qualquer lugar.
– Anathema! – Crowley gritou, secando o cabelo com a toalha enquanto observava Aziraphale segurando sorridente o que ele imaginava ser seu celular.
– Oh! Eu não ouvi você saindo! – Aziraphale corou. – Seu celular começou a tocar, e na primeira vez eu não atendi, porque me pareceu uma invasão de privacidade... Mas logo em seguida você começou a receber muitas mensagens, "Urgente! Criança de colo correndo!", e eu fiquei preocupado, achei melhor atender a ligação caso sua amiga precisasse de ajuda...
– Sim, é o jeito que ela encontrou para me fazer atender ligações sérias. – Crowley fingiu impaciência. – Você realmente precisa de ajuda em algo? Você tem noção das horas, Anathema? – Ele se direcionou à amiga, mesmo sabendo que não estava nem perto do campo de visão da câmera.
– Na verdade não! Nós só estávamos com saudades de você. – Anathema respondeu monotonamente. – Mas eu tive uma conversa tão agradável com seu amigo Aziraphale que acabei me esquecendo que liguei para saber como você estava. – Ela brincou. – Newt te mandou um abraço, eu acho. Aziraphale, voltando ao nosso assunto...
– Eu adoraria falar mais sobre isso com você, mas acho que seria melhor se nós continuássemos a conversa amanhã, o que você acha? – Aziraphale sorriu.
– Certo, tudo bem. Uma boa noite pra você!
– Você vai ligar pra mim amanhã então? – Crowley se aproximou de Aziraphale, se projetando no campo de visão da câmera para olhar sua amiga.
– Não, eu ligarei para meu amigo Aziraphale amanhã, tendo em vista o fato de que nós trocamos nossos números de telefone. Boa noite! – Anathema gargalhou, encerrando a ligação logo em seguida, sabendo que isso irritaria Crowley.
– Então é isso... Eu perdi meus melhores amigos. – Crowley fingiu desolação, se sentando incrédulo no sofá. – Eles nunca mais vão falar comigo porque acharam uma pessoa muito mais simpática e gentil para conversar. É meu fim. Eu sabia que deveria ter sido mais amigável. – Ele enterrou o rosto nas mãos.
– Não seja ridículo. – Aziraphale gargalhou. Ele sabia que Crowley estava brincando, mas também porque achava absolutamente ridícula a ideia de que qualquer pessoa que conhecesse Crowley verdadeiramente pudesse pensar em não querer tê-lo por perto. – Tenho certeza que ela te ligará amanhã. Por enquanto, o melhor que você pode fazer é dormir um pouco.
– Certo, você tem razão. Preciso ignorar o fato de que meus melhores amigos agora me odeiam. – Crowley começou a se aninhar no sofá. – Você teria uma coberta?
– Você não está pensando em dormir no sofá, não é? – Aziraphale questionou, sendo respondido com um balançar de cabeça positivo de Crowley. – De maneira nenhuma! Eu já fiz você dormir aqui, o mínimo que posso fazer é ter certeza que você esteja confortável.
– Qual sua ideia? – Crowley levantou as sobrancelhas.
– Bom, eu acho que minha cama tem espaço suficiente para nós dois. E tenho certeza que é muito mais confortável do que o sofá.
[Todo mundo tem um ponto fraco; Você é o meu, por que não? Você é o meu, por que não?]
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Good Omens - Entre Tapas e Beijos (Ineffable Husbands)
RomanceAU (alternative universe) - Em que Crowley, segurança de uma boate, resolve caçar briga com seu vizinho de cima pelo barulho de música alta às seis da manhã - ou em que Aziraphale resolve revidar a implicância de seu vizinho do andar de baixo.